na corda bamba sem celular, com conexão discada e full of baixas tecnologias. e apesar de tudo, com a benção de machado de assis.

08.03.2023 Mensagem de zap para Jorane Castro, cineasta que vive em Belém do Pará:

Fabiano Maciel: tá na área?
Jorane Castro: Em que área?
Fabiano Maciel: tanto faz, a que importa é a do celular, já que vamos falar por aqui…tudo bem? Jorane Castro: tu entraste na minha “área” pra perguntar se está tudo bem?…tá sim. e vcs em sp?
Fabiano Maciel: tá tudo muito complicado e difícil, mas tá tudo bem. Jorane Castro: Bom, no mais… Fabiano Maciel: no mais, se tiver tempo, leia, se tiver paciência, divulgue, e se tiver bolso, assine,de preferência por pix porque a situation tá medonheition! http://www.nacordabamba.blog
Jorane Castro: e tem instagram ?? ou só blog?…pq o blog é da epoca do Rumos 3×4
Fabiano Maciel: ha ha ha…tu que pensas, tá voltando total
Jorane Castro: tu tá low tech, hein? vem pra amazonia que a gte te ensina!!
Fabiano Maciel: e tá começando a dar uma onda
Jorane Castro: o blog é o vinil da net?
Fabiano Maciel: o blog é onde quem quer ler algo mais do que um tuíter encontra o que ler. pra geração que não quer só frases curtas e sexo anal, como diz um amigo meu. Mas eu tô tão low tec e low money que o meu celular quebrou e sem ele não consigo nem colocar o link no stories. Mas vai passar.

A conversa segue com minhas lamúrias financeiras e as lamúrias dela, sobre terminar a tese de mestrado. Portanto, sem interesse. Corta para:

Em 2002 eu estava em São Paulo no Itaú Cultural, defendendo para uma banca que tinha, entre outros, Amir Labaki, Renato Barbieri e Carlos Nader, meu projeto para o documentário Carrapateira Não tem Mais Ciúmes da Apolo 11. (algum dia falarei sobre ele). Outros realizadores estavam por lá, todos vendendo o seu peixe: Jorge Alfredo, Toni Venturi, Karim Ainouz, Jasmin Pinho, Dado Amaral, Betse de Paula e Jorane Castro. Vale contar aqui que eu conhecia a Jorane sem saber quem ela era ou de tomar qualquer rumo no Rumos. Porque um ano antes, em Belém, eu fui na casa do irmão de Mestre Cupijó, negociar com ele os direitos da melhor mistura que já tinha escutado de carimbó com caribe, uma mistura que queria muito usar no Vaidade (que outro dia também vou falar sobre). Fui recebido por um senhor extremamente gentil, que me contou que Cupijó quando deixava Cametá, assim que entrava na barca já se sentia num exílio de Gonçalves Dias, que Belém para ele, era como Nova Iorque para uma ovelha do cinturão da bíblia. Eu tinha comprado um cd do Cupijó no aeroporto de Belém e a identificação foi imediata, bastou olhar a capa. No fim da conversa, o pai da Jorane me falou que tinha uma filha, que ela vivia em Paris, que fazia cinema, que tinha feito alguns documentários na África, e eu senti que ele ficou um pouco decepcionado por eu sequer ter ouvido falar dela. Na apresentação do Rumos, aquela moça morena começou a explicar o seu projeto, chamado Invisíveis Prazeres Cotidianos:

Um retrato de Belém do Pará construído por meio do relato de jovens moradores, que se expressam e se comunicam em blogs. Pela distância geográfica e cultural, desenvolveu-se em torno de si mesma e da Amazônia uma cidade que desde sempre viveu afastada do mundo, quase em autarquia.

Jorane contou que estava de volta ao Pará, depois de um longo tempo na Europa, que tinha feito alguns filmes na África e aí eu lembrei daquele advogado gentil que falou de sua filha e pronto! Pra completar, no final de semana, caminhando na praia com meu amigo Luis Marcelo Mendes, conto esta história e ele solta um porra, não acredito, a Jorane é minha amiga! Nos conhecemos em Paris, e etc, etc….Pronto, fiquei amigo da Jorane. Que fez um filme sobre blogs. E eu naquele começo dos anos 2000 me interessava por muita coisa. Menos por blogs. Na verdade, jamais tive qualquer interesse por algum blog!

Quase uma década depois, a TV Escola lançou um edital pra lá simpático. Eles iriam produzir três curtas-metragens em animação, com histórias baseadas em contos de Machado de Assis. Venceriam aqueles que apresentassem as melhores propostas estéticas e de narrativa. Animação nunca foi a minha área e Machado eu só comecei a ler bem depois de velho, mas os boletos, como sempre, falaram mais alto. Nesta época estava fazendo umas aratacas com Allan Sieber, cartunista, diretor, animador, artista plástico, autor do logo deste blog e dono da mega corporação Toscographics. Escolhemos o conto Aurora sem Dia, publicado em 1870.

No conto, o personagem Luís Tinoco é um jovem que tem um modesto emprego num repartição pública e que vive na aba de seu padrinho. Um belo dia Tinoco acorda se sentindo um verdadeiro escritor, como se tivesse um Baudelaire, um Rimbaud sussurrando versos inspirados em seu ouvido. Embesta que é um gênio das letras e que agora só falta publicar seus versos.

O certo é que um dia de manhã acordou Luís Tinoco escritor e poeta; a inspiração, flor abotoada ainda na véspera, amanheceu pomposa e viçosa. O rapaz atirou-se ao papel com ardor e perseverança, e entre seis horas e as nove, quando foram chamar para almoçar, tinha produzido um soneto, cujo principal defeito era ter cinco versos com sílabas de mais e outros cinco com sílabas de menos.

Luisinho começa a mandar seus sonetos para os jornais, para o desespero do padrinho, que sabe que poesia é sinônimo de miséria e fome. Recorre então, ao seu amigo Lemos, pedindo que este aconselhe o rapaz, que o faça seguir o bom caminho do trabalho regular e do salário certo no final do mês. Nada feito, pois como conta o Machado:

Luís Tinoco possuía a convicção de que estava fadado para grandes destinos, e foi esse durante muito tempo o maior obstáculo da sua existência.

Teimoso, Tinoco, larga o emprego e publica, por conta própria, é claro, um livro insuportável até no título, Goivos e Camélias, com 200 páginas de pura pretensão. Desesperado, o padrinho apela novamente para Lemos, que convence o jovem Tinoco de entrar para a política. Em sua primeira tentativa, ele é derrotado. Lemos insiste, e manda o jovem para o interior, onde sua capacidade de falar frases sem rei nem roque, acaba funcionando muito bem nos palanques. Pelo jeito, funciona bem desde 1870…Tinoco vira vereador, mas logo percebe que suas frases, que tanto impressionaram os eleitores na campanha, de nada valiam na selva do plenário.

Allan Sieber e eu adaptamos a história para os dias de hoje. Trocamos a ação do Rio para São Paulo. O jovem Tinoco não trabalha mais numa repartição, ele sequer trabalha. É um estudante de jornalismo que nunca se forma. Um belo dia acorda inspirado e resolve criar…um BLOG! Tinoco usa um pseudônimo, ou alcunha, se preferirem, de Luís Rimbaudelaire. Vai Machado!

Os versos de Luís Tinoco, são, modéstia a parte, de minha própria lavra:

“O horror, me leva ao torpor/ sinto um tremor/ quando vejo a flor…de isopor”

O pai, desesperado, apela para seu amigo Lemus, agora transformado em um publicitário bem sucedido, dono de uma agência pica das galáxias. Publicidade? Você quer me contratar para trabalhar com PU BLI CI DA DE? Pergunta um decepcionado Tinoco. Lemus, que vende carro usado, a mãe e tudo que puder, responde: Meu filho, Poesia, Prosa, Publicidade, tudo começa com P. Tinoco não perde tempo e começa a espalhar seus reclames poéticos, que neste caso, foram feitos pelo CRIATIVO Allan Sieber:

“Cachaça Ventania: um gole leva você pra bem longe!”

“Laxante Tsunami: uma avalanche no seu intestino”!

“Fraldas Geriátricas Bronson & Bronson: a companheira de todas as horas, boas ou ruins, principalmente as ruins!”

Cansado de ver o mala do Tinoco poetando pelos corredores de sua agência, Lemus (com u para dar um toque de marketing) resolve despachar o filho de seu amigo para o interior. E já que tudo começa com P, ele vai pra roça ajudar numa campanha POLÍTICA.

O interior onde Luís Tinoco vai tentar a sorte, nós situamos em Birigui, cidade onde nasceu Miriam Arvelino de Paula, que eu estava começando a namorar na época e precisava impressionar. O adversário de Tinoco era um poderoso coronel local, Trabuco de Paula. No campo, os versos de Tinoco ganharam ares pastoris:

Venho aqui / e estou aqui /caqui, caqui, caqui/ fruta linda, o caqui!

Vou pra lá/ e estou por lá/fruta linda o cajá!

Volto aqui/ e sigo aqui/ fruta linda o piqui!

Que roça luxuriosa é Birigui!

Mais, uma vez, ao diabo com a modéstia, também são de minha lavra, feitos enquanto esperava o João Luis DE Albuquerque chegar no Bar Lagoa.

Montamos uma equipe classuda para Aurora sem Dia:

Allan Sieber dirigiu e eu produzi. Eloar Guazelli fez a direção de arte e os storyboards, que também contaram com a colaboração de Daniel Og. Luke Bosshard, que hoje se esconde no nevoeiro londrino coordenou as animações, Flu fez a trilha original com o auxílio de Luciano Granja, que também ta aí no link do flu, Cynthia Bonacossa, que eu não sei por onde anda fez a assistência de direção e a Tainá Moraes montou.

E nas vozes, o elenco beirou a covardia:

João Velho fez Luis Tinoco, Otávio Augusto o narrador, Luiz Carlos Miéle o coitado do pai de Tinoco, o Anastácio, Paulo Betti deu voz ao publicitário Lemus, Ronaldo Rosas fez o blogueiro da concorrência, a musa bailarina de vermelho Alessandra Colasanti fez a secretária e o eterno boy Leo Almeida fez o office-boy.

Os estudiosos dizem que em Aurora sem Dia, Machado ironizava o beletrismo e a política da época. Certamente sim. E um belo dia, em 2023, Fabiano Maciel, que sempre teve a convicção de que estava fadado para grandes destinos, acordou endividado, desesperado e se sentindo um tremendo de um mané. Pensou com seus botões, que tal fazer um blog? Quem sabe eu acabo na política? Ou quem sabe, na pior das hipóteses, na rua, na chuva, na fazenda.

É isto macacada. Paz, amor, e até domingo. Assinem este blog e façam um Luis Tinoco feliz. Mas antes, fiquem com estes versos, escritos por ele, é claro, num momento profético:

Ó caixa eletrônico

O que trazes pra mim

Alguns zeros à direita

Muitos zeros à esquerda

Vida dura sem fim

Nacordabamba ganhou novos contribuintes supimpas: Vera Gribel, Érico Monnerat e Raphael Abdala, que vai gostar de saber que a maior parte deste texto foi escrito esta tarde no boteco Favorita.

LINKS, LINKS E MAIS LINKS!

Mestre Verequete é pai, Pinduca é filho e Mestre Cupijó é rei: www.youtube.com/watch?v=KoI8_XTquTo

Jorane Castro foi uma das selecionadas para aquela edição do Rumos, e aqui vocês podem conferir seu filme sobre os blogueiros numa distante Belém do início deste século: https://vimeo.com/65163216

O site da Jorane Castro e de sua produtora, a Cabocla Filmes: http://cabocla.org/

Com o fim do governo bozonegacionistaterraplanistadosinfernos é hora da Tv Escola voltar a cumprir o seu papel e, quem sabe, produzir novamente curtas de animação. Escrevam para a Tv Escola. Apesar do que dizem os privatistas, ela é super importante: https://tvescola.org.br/

Se você não sabe quem foi o Machado de Assis, comece por aqui, no site da Academia Brasileira de Letras, que, diga-se de passagem foi fundada por ele. https://www.academia.org.br/academicos/machado-de-assis/biografia

Existem aproximadamente uns 100 mil ensaios sobre Machado de Assis. Uma vez tive o privilégio de ver-ouvir uma conversa na casa do José Aparecido, entre o Jom Tob Azulay e mais alguns iliustríssimos, onde eles versavam sobre o internacionalismo de Machado e a brasileirice de José de Alencar. Saí de lá com a cabeça fervendo. Alguns anos depois o Woody Allen declarou que Memórias Póstumas era um dos livros de sua vida. Mas se tem um cara que mexeu neste vespeiro de uma forma muita bacana, este foi o Sérgio Rodrigues, que lançou um livro que traz Machado e José de Alencar para os dias de hoje. No link ele falando sobre A Vida Futura: https://www.youtube.com/watch?v=yyK8XBnRdTc

O link com os trabalhos do Allan Sieber já está na sessão quem faz na cordabamba, mas não custa repetir por aqui: https://www.allansieber.com.br/

Para ler o conto origina do Machado: https://machadodeassis.net/texto/aurora-sem-dia/26691

Júlio Bressane fez duas ou tres adaptações de Machado para o cinema. Todas originalíssimas. No link, Brás Cubas: https://vimeo.com/544111542

O instagram do Guazzelli, um baita ilustrador https://www.instagram.com/eloarguazzelli/

E aqui vocês podem conferir outro ninja, o Daniel Og: https://www.artstation.com/danielog1/profile

Todos a turma que colocou as vozes em Aurora sem Dia merece links, abraços e considerações mil, mas o link que vai aqui é para o Miéle, que já foi cantar Sinatra e tomar uns birinaites lá em cima: https://memoriaglobo.globo.com/perfil/luiz-carlos-miele/noticia/perfil-completo.ghtml

E para encerrar, Aurora sem Dia!

https://www.youtube.com/watch?v=F-w6sy8_Pbk

boa sorte pra todos!