Hoje, 30 de março é aniversário do meu filho Antonio. 8 anos! No sábado primeiro de abril seria o aniversário de meu pai, que faria 81. E a playlist cordabamba desta semana é deles. Do Francisco e do Antonio. Dos discos que meu pai tinha em casa, das músicas que eu consegui fazer o Antonio gostar (foram poucas, até agora) e das que ele gosta porque ele é ele e não eu. Ainda bem!
E o texto desta quinta, que seria sobre pais & filhos acabou desandando pela minha total falta de talento e capacidade para tratar disto. Tanto na vida real quanto nestas páginas virtuais. Então, dois pra lá, dois pra cá, trocando as bolas nesta semana, a playlist sai nesta quinta e o post no domingo.
Já escrevi uma vez pro Amajazz, do meu amigo Márcio Pinheiro um texto onde contava um pouco de como começou minha obsessão por música:
Meu pai tocava gaita. Conheceu minha mãe em um baile, ele pilchado, ela de prenda. Para minha sorte, em casa ele só tocava o Pezinho. No cafofo da família Maciel o repertório era outro. Seu Francisco e Dona Carmina não tinham muitos discos, mas a pequena pilha de LPs faria feliz qualquer cantora eclética de churrascaria: Jorge Ben, Jair Rodrigues, Paulinho da Viola, Trio Irakitan , Dorival Caymmi, Eydie Gorme e Los Panchos conviviam numa relax, numa tranquila e numa boa com Ray Conniff, Os Incríveis e os inevitáveis discos do Roberto Carlos. Os compactos eram mais inusitados: Miriam Makeba, Mungo Jerry, Bob Seger e vários da Elenco em versão reduzida. No início dos anos 70, com o sucesso de Golpe de Mestre, seu Francisco surfou na onda e comprou o compacto do Scott Joplin. Durante o ano a casa foi inundada de ragtime e mais uma infinidade de charlestons e teas for twos gomalinados… Aí num belo dia seu Francisco apareceu com o disco da coleção Jazz Masters: Louis Armstrong e Sidney Bechet. Para seu Francisco, jazz era Louis Armstrong e todo o resto não importava. Para mim, jazz era a banda dos gatos vagabundos do Aristogatas e o rei Louie escateando em Mogli. Mais tarde eu descobri que quem fez a voz do King Louie foi o sensacional Louis Prima, caso único de jazzista e taranteleiro e, assim como o King Louis Armstrong, também de Nova Orleans.
Quem quiser ler este texto inteiro, vá lá no Amajazz, onde todo mundo é bamba mesmo. https://amajazz.com.br/2019/02/08/com-a-bencao-de-sao-john-coltrane/


E a playlist começa com o tema de O Terceiro Homem, aquele filme onde tudo é bom. A história é do Graham Greene, a direção do Carol Reed é fantástica, a fotografia preto e branca supimpa, cheia de enquadramentos tortos e escadarias vertiginosas, a maravilhosamente linda Alida Valli faz dupla com Joseph Cotton e tem Orson Welles. E a música de Anton Karas, que consegue ser misteriosa e tragicômica ao mesmo tempo. Querem mais? É neste filme que Welles improvisou uma de suas mais famosas falas, para se defender de sua total falta de escrúpulos (vendia vacinas adulteradas) ele diz algo mais ou menos assim: veja a Itália na época dos Bórgias: traições, disputas, assassinatos, envenenamentos. O que eles deixaram como legado? O renascimento. Agora veja a Suíça. 400 anos de paz e tranquilidade. O que eles criaram? O relógio cuco!

O trailer de O Terceiro Homem
Acima é a cena do Mogli, cantada por Louie Prima, que meu pai me levou pra ver e que eu tratei cedo de mostrar pro Antonio, porque afinal de contas, de um jeito ou de outro, a gente quer que ele cante e queira wanna be like you, ou wanna be like me, por mais que a gente deixe o barco correr e diga que não. E o barco segue com o espetaculoso Trio Irakitan cantando os sambas que eles gostam de cantar, no caso, O Orvalho vem Caindo, uma das mais afiadas letras de Noel, bem a calhar com a corda bamba, Se um dia passo bem, dois ou três passo mal, isto é muito natural, Let it Out, Hang out! com The Hombres, Zé Canjica, com Jorge Ben (Força Bruta tinha em casa), Wooly Booly com Sam, The Sham & The Pharaos e o inacreditável Jimmy Castor, avisando pro Leroy que a mãe dele tá chamando.


Em 1973, antes de ficar rico com Guerra nas Estrelas, George Lucas ficou famoso com um filme de orçamento modesto e elenco praticamente desconhecido. Richard Dreyfuss era a única exceção e Harrison Ford, que fez uma ponta, ainda ganhava a vida como marceneiro das estrelas. O filme, cuja ação acontece no começo dos anos 60, tinha uma trilha sonora impecável e o álbum duplo com 41 faixas vendeu milhares de cópias e originou uma onda de nostalgia dos velhos e bons tempos pré-Vietnam, de crise dos mísseis em Cuba e outras chateações que não chegavam a tirar o sono dos pacatos moradores brancos de um buraco perdido no meio da Califórnia. E seu Francisco comprou o disco. E ele rodou até gastar na vitrola lá de casa. E o disco é praticamente um curso intensivo de rock´n roll antes dos 4 rapazes cabeludos de Liverpool. E tem a participação do disc-jockey Wolfman Jack fazendo o papel dele mesmo. Uma pena não ter as intervenções dele no spotify. De qualquer forma, algumas músicas do filme: Ya Ya, com Lee Dorsey, seguida por uma provocação maneiríssima de Emir Kusturica, que colocou Ya Ya em ritmo balcânico em Underground, um filme pra lá de alucinado. Mais American Graffiti com The Clovers tomando a poção number 9 da cigana, aquela que faz você beijar todo mundo, até o guarda que está de ronda na esquina da 34 com a rua Vine. E mais mais mais American Graffiti com o pai de todos, Chuck Berry cantando Almost Grow, você sabe, eu me casei e me estabeleci e então quase não ando mais por aí. Sobre o filme: só fui assistir American Graffiti, na tv, muitos anos depois. E sigo vendo, sempre que passa.

Paulinho da Viola canta Nelson Sargento, Gilberto Gil canta Chororô e Luiz Gonzaga canta Vem Morena. Na sequência Mungo Jerry, do compacto que tinha em casa, também tocado até gastar todo sulco. Quando surgiu o youtube foi uma das primeiras coisas que fui procurar na rede. Achei e um habitante daquela velha ilha escreveu o seguinte: milhares de pessoas compraram este compacto para ouvir In the Summertime. É justo. Mas milhares de pessoas esqueceram de virar o disco. Perderam duas faixas arrasa-quarteirão. Lá em casa, eu virava o disco e fingia que estava martelando o piano.

Louis Armstrong anda pelo lado ensolarado da rua e Horace Silver faz uma homenagem ao seu pai, que nasceu em Cabo Verde. Os abençoados Blood, Sweat & Tears rumbam God Bless The Child e Gal Costa se perde no paraíso. O baile segue com The Spinners, com Fantastic Johnny C e com um Fat Boy Slim que eu consegui aplicar no Antonio. O Sinatra que vem logo depois, cantando com Tom Jobim, ele não dá mais bola, mas como ela ninou o guri por quase dois anos, não podia ficar de fora. E nem Green Onions, do Booker T & The MGs, que também está em American Graffiti.
Voltamos com um Paul McCartney abolerado, com a favorita do Antonio, Mestre Jonas com Sá, Rodrix e Guarabyra e a favorita de seu Francisco, Barry White no comando da Love Unlimited Orchestra. Depois uma sequência com Nat King Cole, Donovan e Buckwheat Zydeco, num cajun delicioso. Este Donovan é da lista do Antonio. E faz parte da tenda dos milagres aqui da casa. Tenho uma vitrola do super-homem, portátil, que já era velha quando comprei em 1998 numa feira de antiguidades. Um belo dia Antonio abriu a vitrola, pegou os compactos (tenho uma caixa) e passou a ouvir Donovan, Animals, Monkees e pasmem, Peter, Paul & Mary. Se eu tentasse fazer com que ele gostasse de qualquer coisa desta caixa, ia dar ruim.

A tampa fecha com Gil novamente, na lupicínica Esses Moços, na velha gaita com os Almôndegas, no desfado novo de Ana Moura e finalmente, uma pra mim mesmo, The Buzzcocks, Harmony in my Head, que eu tô precisando.
Antonio, meu rei do planeta inseto e das marolas de peruíbe, heroi do seu irmão Vicente e do seu avô Francisco, que se foi pouco depois que você chegou. Love Unlimited. Turma que já está na corda, sigam por aqui. Quem ainda não está, venha! Beijos, paz, saúde, vuco-vuco e amor ilimitado para todos. Se possível, acompanhado de um cartão de crédito com valor e data ilimitados também! Domingo tem mais.

Dois compactos da coleção do seu Francisco que não encontrei no spotify: The Bob Seger System e Julius La Rosa cantando uma música do Hair, Where do I Go
e a playlist! https://open.spotify.com/playlist/58e4dXWcgd4Mej0nKZmAU2
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