na corda bamba improvisando no mundo virtual e procrastinando em frente da televisão.

Você confia em quem chama filmes de franquias? Eu não. No início dos anos 2000 as séries de tv americanas começaram a contar histórias que o cinema estava deixando de contar. O cinemão pelo menos. Os grandes orçamentos- e não vou discutir aqui se blockbusters são importantes ou não- estavam todos indo para filmes feitos sob medida para garotos espinhentos e onanistas, ou para adultos que apesar de chefiarem seus departamentos na firma e de não serem mais espinhentos, seguiam no onanismo e no mcdonalds. Como nos dois últimos dias o word-press, a plataforma que uso pra postar este blog entrou em parafuso, e como faltou tempo e faltou assunto, resolvi falar sobre o que não falta no mercado: seriados de televisão. Na Corda Bamba edição 55 caindo na rede. Largue seu controle remoto e leia. Se puder, faça um pix para fabpmaciel@gmail.com ou assine nos botões vermelhos lá embaixo.

não quero voltar para o passado que anunciava este presente

Existe uma turma que defende a teoria de que os filmes da Marvel são recheados de metáforas sobre a guerra, a violência, a desigualdade social ou de gênero. Isto pode se aplicar em um ou dois. O resto é estratégia pra vender pipoca. Nada mais do que isto. Nos gibis, sim, até acho que existe alguma substância…Mas eu não tenho mais paciência nenhuma pra filmes onde cidades são arrasadas por Godzilas e são salvas por homens em trajes pra lá de ridículos. Se é pra ficar no mundo nerd, sigo nas eternas reprises do Big Bang Theory.

surfista prateado:exceção num mundo perdido. vaga pelo universo e só se dá mal. é um sofrenildo!

Na outra ponta, o cinema independente nos anos 2000, e eu sempre generalizo, mostrava um bando de punheteiros suburbanos entediados em preto e branco ouvindo uma trilha sonora indie, normalmente depressiva e blasé. Homem de Ferro de um lado, o balconista melequento e deprimido do outro. No meio do caminho tinha uma pedra, um monte de gente cansada de ver pontes destruídas e alguns executivos sagazes. E a tv americana, que sempre foi pra lá de careta e conservadora, começou a ousar mais do que o cinemão. Os Sopranos, A Sete Palmos e House, tinham personagens mais contraditórios, amargos, cínicos e ordinários vivendo situações extraordinárias sem precisar subir no topo do Empire State Building. Viviam situações muito mais ousadas, bizarras e mirabolantes: a vida real. Estas séries tinham roteiristas criativos e produtores dispostos a arriscar em fazer diversão sem ser pra toda família. House envelheceu um pouco mal, é verdade, revendo hoje, me dá um certo bode de tanta grosseria. Mas em 2004 aquilo era o mundo real, a vida real, de gangsters, médicos e donos de funerária. Você conhece algum dono de funerária? Não importa. Vale aqui, que eram adultos. Os Sopranos não envelheceu, a série continua nos cascos. Quando a NETFLIX resolveu ser produtora também, uma das primeiras séries que o canal de streaming produziu foi a sensacional Lilyhammer, onde o guitarrista do the Boss, Steve Van Zandt, repetiu seu papel de mafioso dos Sopranos e foi começar uma vida nova e anônima na ensolarada, entediante e gelada cidade olímpica da Noruega. Absolutamente todos os clichês de povo ordeiro e respeitoso vão para o beleléu. O gangster de Nova Jersey achincalha com absolutamente todas as práticas corretas de ser e de viver neste terceiro milênio. É tão bom que numa das temporadas, os amigos noruegueses, uns vikings trapalhões, passam um carnaval no Rio. Um deles se apaixona por uma brasileira. Ela é mezzo bacana, mezzo trambiqueira. Quem frequenta ou frequentou a Lapa, sabe que isto é nem de longe um delírio do roteirista.

lilyhammer: diversão garantida ou sua perna quebrada de volta

Se Lillyhammer faz graça, a maioria dos seriados que eu gosto tratam de detetives deprimidos de meia idade, sejam eles moradores de Ystad na Suécia, como Wallander (os livros de Henning Mankel são ótimos também), Andri e Hinrika, detetives de uma cidade de nome impronunciável na Islândia em Trapped e Sofia Karppi, da série Dead Wind, na também deprimente e gelada Finlândia. Uma das mais deprimentes e que, infelizmente, parece que não está mais disponível na Netflix é Hinterland. que conta as histórias de Tom Mathias, policial que para esquecer um passado trágico, é transferido de Londres para uma pequena cidade à beira mar no País de Gales. A vida de Mathias é mais do que miserável e ele mora num trailer estacionado num penhasco daqueles típicos do litoral do mar do norte. A produção da série também foi dureza, feita em boa parte durante o inverno e além do frio os atores tinham que rodar tudo duplamente, em inglês e galês. Nunca vi imagens e enquadramentos tão bonitos quanto em Hinterland. Sem exageros. Todos os planos, incluindo os mais banais são bonitos. Um dia me dei a pachorra de congelar a tela e fotografar os enquadramentos.

hinterland: tristeza e paisagens espetaculares

Outra coisa que me faz ficar horas procrastinando na frente da tv são séries de espionagem, principalmente as que se passam durante a guerra fria. A Garota do Tambor (Starzplay), inspirada no livro de John Le Carré, tem a Florence Pugh, que é um espanto, provavelmente uma das atrizes mais cascudas desta geração.

Florence Pugh em A Garota do Tambor

Esta é a sinopse de Glória: No auge da Guerra Fria, os americanos instalaram torres de rádio em Portugal, na localidade chamada Glória do Ribatejo, com o objetivo de enviar transmissões pró mundo livre para a União Soviética. Os russos, então, montaram uma força tarefa de espiões infiltrados em Portugal para neutralizar a iniciativa.

Esta série, a primeira produção portuguesa a entrar no streaming da NETFLIX, tem pouca pressa. O ritmo é lento. Para mim, agradavelmente lento. Agradavelmente silencioso. Fico até com vontade de morar no Ribatejo. Por aqui, acho que quase ninguém reparou. Como também quase ninguém reparou em Kleo.

gloria, guerra fria e salazarismo
kleo: diversão garantida ou o seu muro de volta

Kleo tem várias coisas que valem a madrugada na frente da tv:

-a heroína é da Alemanha ORIENTAL

-o “mundo livre” é o inimigo.

-a direção é pra lá de esperta e pop.

-tem humor. e aí descobrimos que alemães são capazes de fazer graça. e tem outra série bem humorada vinda lá dos nibelungos:

*einstein: passa no canal axn. é bacana porque:

-ela não se leva a sério.

-parece série dos anos 70, tipo panteras, a gente sabe que o mocinho vai ganhar no final. não tem braços decepados jorrando sangue na tela.

-tem humor, alemão, mas tem.

-o personagem principal tem um quê de macgiver, e usa a ciência para escapar das situações de perigo.

-ele se droga mais que o dr.house.

-todas, mas absolutamente todas as mulheres, jovens, velhas, magras ou gordas, são sexy.

-todos, mas absolutamente todos os personagens, sejam eles homens ou mulheres, jovens ou velhos, belos ou não, pensam em sexo a maior parte do tempo.

-podem acreditar: o personagem transa com mais gente por episódio do que todos os últimos dez filmes do james bond. e a mãe do personagem principal também.

-a laura berlin de vez em quando faz uma ponta.

laura berlin em einstein.

O grande lance, é que do mesmo modo que me esqueço da maioria dos livros policiais que li (e foram muitos, só o Simenon, meu predileto, escreveu mais de 50 do inspetor Maigret), eu esqueço das séries que vi. Mas este esquecimento nem de longe é um problema. O problema pra mim é que as séries estão se repetindo em fórmulas e clichês de liquidação do Saara, as espanholas principalmente, e salvo uma que outra, a grande maioria eu não consigo passar do primeiro episódio. Um exemplo de história que me fez ficar na frente da tv como um siderado, esperando a exibição do episódio seguinte:

Em meados dos anos 2000 o detetive Sam Tyler sofreu um acidente de carro. Pouco antes, ele ouvia Life on Mars em seu ipod. Quando acordou, seu carro era outro e o toca-fitas tocava Life on Mars. Sam Tyler acordou em 1973, onde vai ter que lidar com o DCI Gene Hunter, um dos personagens mais cascudos da história. Ele vai enfrentar todos os fantasmas de seu passado sem saber se voltou no tempo, se está em coma delirando num hospital ou se está morto. Life in Mars gerou uma continuação Ashes to Ashes, onde uma detetive volta aos anos 80, e quem é fã de Bowie sabe porque em 82 a série tem este nome. As citações de cultura pop são ótimas, ele encontra Marc Bolan e pede pra ele não andar de carro no dia 16 de setembro de 77; em Ashes to Ashes ela encontra um Boy George antes da fama e apanhando de marginais homofóbicos. Life on Mars é um de volta para o futuro com cerveja, pancadaria e música boa. Teve uma versão americana com Harvey Keitel e descobri agora que também rolou uma versão coreana. Bons roteiros podem ser replicados. Como seria voltar ao Brasil de 73. Eu ia ter o desgosto de ver o Médici no poder e o Inter campeão gaúcho. Mas poderia ver Macalé lotar o MAM, ir pra uma Búzios ainda quase deserta. Não teria café expresso pra todo lado. Mas também não teria uma caixinha de som por metro quadrado. Acho que não sei.

Encerro replicando um texto que coloquei no fb, sobre outra série: as paisagens são exuberantes. a fotografia usa e abusa de tudo que a neve pode oferecer. a câmera está quase sempre no tripé. não tem perseguições, nem dezenas de carros explodindo ou milhares de frames pipocando na tela em frações de segundo. o personagem principal é interpretado por um ator sensacional e ele tem mais de 50 anos. seu personagem é um detetive que…conversa. e lê. lê os clássicos. e vive no entediante canadá francês, onde pelo menos nesta série, o inspetor armand gamache tem que resolver uma meia dúzia de assassinatos ocorridos em modorrentos vilarejos. a série se chama three pines, tá no hbo. foi produzida pela amazon. e foi cancelada após sua primeira temporada. aí você sabe que não está fazendo 58 à toa. seus seriados são cancelados. ainda bem que o antonio descobriu como fotografar a tela do seu game preferido. subway surfers. e como ele ainda não tem idade pra frequentar este mundinho, ele aprendeu como postar na minha página. viva ele. e eu também. bjs! ah sim, na foto, o alfred molina, com uma cara de quem está cansado de tudo, mas apesar de tudo, ainda acredita em redenção, salvação, democracia, etc, etc, etc.

alfred molina em three pine

NA CORDA BAMBA agradece a super chegada de Bruna Leonardi, Lucas Barreto, Rafael Urban, João Roni, Elisângela Pezzutti, Marcelo Guru Duarte, Thereza Lessa e Bebel Franco. Super obrigados. PAZ! E CONTROLE REMOTO!

A imagem da capa é um desenho que Vicente, meu filho, quase 6 anos fez de seus heróis. Ele não dá muita bola pra tv. mas se deixar, não larga o celular e o youtube.

LINKS! LINKS! E MAIS LINKS!

tenho que começar a anotar as coisas que coloco por aqui. se repetir alguma, por favor, relevem.

o trailer de lilyhammer:

hinterland:

um guia para quem quiser ver as locações de hinterland:

https://www.visitwales.com/things-do/attractions/tv-and-film-locations/hinterland-inside-guide-tv-shows-secret-locations

e a lenda da ponte do diabo:

sobre john le carré: https://www.infinitividades.com.br/wordpress/o-singelo-presente-da-garota-do-tambor/

sobre glória, a série de espionagem passada em portugal:

https://www.publico.pt/2021/10/22/culturaipsilon/noticia/espioes-guerra-fria-ribatejo-gloria-serie-portuguesa-convenceu-netflix-1981632

o trailer de Glória:

kleo!

o trailer de einstein. na língua da chucretelândia:

life on mars:

O DCI Gene Hunt foi um personagem tão marcante que virou piada e livro: https://alternativemagazineonline.co.uk/tag/gene-hunt/

meu cumpadre luis marcelo mendes me deu de presente o sensacional guia do policiamento moderno. graças aos conselhos do dci gene hunt eu e meu chapa raymond semple nunca mais encaramos nenhum unacceptable drink (qualquer coisa que não seja cerveja, uísque puro ou gim não presta e se tiver um pequeno guarda chuva no copo presta menos ainda).

as regras do policiamento moderno

bowie cantando life on mars:

o trailer de three pines:

SIGNAGEM NA TELEVISÃO: Décio Pignatari era advogado. E poeta concretista. E estudante da comunicação de massas. E da semiótica. Nos anos 70 ficou um bom tempo na frente da tv enquanto o resto da intelectualidade fingia que ela não existia. Este tempo na frente da tv, num tempo em que o máximo que o controle remoto fazia era ligar e desligar, gerou colunas artigos na imprensa paulista, que geraram o livro Signagem na Televisão. É um raio-x da tv brasileira daquele período. Muita coisa mudou de lá pra cá. E muita coisa segue sendo a mesma porcaria. E muitas, muitas coisas pioraram pra caralho!

pra fechar, quem puder ajudar:

Tantão, lenda do udigrudi carioca, uma das primeiras figuras que conheci quando cheguei no Rio em 86, no Suburban Dreams, está precisando de ajuda (teve avc) e, para isso, abriu uma Vakinha: https://apoia.se/personalinformertom

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