Existe já há duas décadas um movimento bem bacana chamado book-crossing, onde as pessoas “abandonam” livros em algum lugar, que pode ser um banco de praça, de metrô ou ônibus, um balcão de bar ou uma mureta qualquer. Os livros circulam. Acho que está virando um hábito nas praças de São Paulo, de colocarem uma caixa de leitura. Deixa quem quer, pega e devolve quem quiser. Nesta sexta, encontrei o Entre Amigos de Amos Oz, que conta pequenas histórias passadas nos anos 50 num kibutz em Israel. A primeira delas me ganhou de largada. O solitário jardineiro que tinha o prazer de dar más notícias. “Você ouviu falar de um escritor chamado Wislawski? Sim. Ouvi. Por quê? Ele morreu.” E assim ele segue noticiando terremotos, inundações e massacres enquanto enche o kibutz de jardins floridos. E por quê eu estou contando isto? Porque o domingo começou nublado, porque ando sem assunto e porque a semana foi de tragédias pelo país, algumas grandes como as do sul, outras menores, como os dedos que foram entregues aos fufucas. E assim, de pequenas e grandes más notícias, e de vez em quando, com alguma notícia boa, a playlist 36 de Na Corda Bamba entra no ar e nas redes. Agradecimentos especiais à Susana, que abandonou seu exemplar do Entre Amigos, datado de 2015, na caixa da pracinha da rua dos Democratas. Vou colocar ele de volta na caixa da Praça Benjamin Reginato. Antes de começar, fica a dica de amigo: assine a corda nos botões vermelhos lá em baixo, ou apoie com qualquer valor no pix: fabpmaciel@gmail.com

Ele abriu shows para Harry Belafonte, foi a voz de dezenas de desenhos animados e de comerciais de TV, uma das vozes de um disco inspirado no livro de Marshall McLuhan, O meio é a Mensagem e também gravou alguns discos onde tirava onda com os descolados de ocasião e brincava de suingar com múmias e vampiros. Não se deixe enganar pela cara de mauriçola boneco de ventríloquo. Bob McFadden sabia das coisas. E a playlist 36 de NA CORDA BAMBA abre e fecha com ele.

Algumas pessoas gostam de rock. Algumas pessoas gostam de rolar /Mas eu gosto de ficar sentado para satisfazer minha alma/ Eu gosto das minhas mulheres curtas. Eu gosto das minhas mulheres altas/ E essa é a única coisa que eu realmente gosto em tudo/ Sim, lamento, cara, lamento/ Eu pertenço à geração beat/Eu não deixo nada perturbar minha mente/Eu pertenço à geração beat/E tudo está indo bem/Algumas pessoas dizem que sou preguiçoso e que minha vida está um desastre/ Mas essas coisas não me incomodam, recebo cheques-desemprego,/corro por aí de sandálias, nunca, jamais, faço a barba/E é assim que quero estar quando alguém cavar meu túmulo/ Certa vez, conheci um homem que trabalhava das nove às cinco./ Só para pagar suas contas mensais foi o motivo pelo qual ele permaneceu vivo/ Então mantenha sua casa de campo, sua casa e seu gramado tão verdes que eu só quero um apartamento de um cômodo onde eu possa fazer a cena. Então está dentro.

O que faz uma gravação se tornar um divisor de águas e um clássico? Quando Coleman Hawkins gravou a balada blues Body and Soul em 1939, todas as músicas de jazz tinham um riff que servia de base para todo o resto da canção. Numa explicação bem sintética e provavelmente tosca, o que Hawkins fez foi improvisar frases longas, contínuas, executadas ao mesmo tempo com muita técnica e emoção. E a grande novidade, que vendeu milhares de discos, é que a música não tinha um refrão. Nos links tem texto da NPR sobre esta gravação.

Mais uma descoberta: uma ótima coletânea de música angolana chamada Angola Soundtrack, The Unique Sound of Luanda (1968-76) Aqui com os Jovens do Prenda tocando Ilha Virgem. O baile segue com o bamba Thomas Dolby e seu sucesso She blinded me with Science, com a maravilhosa Ella Fitzgerald cantando Sunshine of your Love do Cream e se em 69 o jazz não precisava mais se preocupar com refrão, por outro lado, a geração de compositores dos standards (Cole Porter, Gershwin, Rodgers and Hammerstein) já tinha subido e uma das saídas foi dar uma beliscada no material que a turma do rock´n rolla estava produzindo. A outra foi a bossa nova. Neste disco da Ella, tem os dois. E Sunshine of your Love casa bem com Immigrant Song, super sucesso do Led Zeppelin. E o pernambucano Afroito e sua Liamba casa muito bem com Led. E o baticum dos peruanos do Nova Lima casa muito bem com Afroito.

O bonde segue com Wes Montgomery latinando e o boogalloo de Louie Ramirez, com o pandeiro de Pandeiro do Mestre, o carimbó de Lia Sophia e a mistureba de rai, música cigana e punk dos Négresses Vertes, a disco sexy sussurrada de Kelle Patterson, o samba gira de Ruy Maurity e o samba tragédia de Adoniran Barbosa. Pode Apagá o fogo mané, que eu não volto mais!

Uma gravação maravilhosamente linda e límpida do Som Três para The World Goes On, seguida por outra descoberta bacanuda: The Rebels of Tijuana, um grupo francês que mistura pop, psicodelia e outras paradas. Esta semana o ninja Zeca Azevedo postou uma frase do John Lennon que gostei muito: “Eu adoro música comercial. Eu gosto de Olivia Newton-John cantando ‘Magic’ e Donna Summer cantando seja lá o que for que ela vai cantar. Gosto da ELO cantando ‘All Over the World’. Posso dissecá-la e criticá-la com qualquer crítico do ramo.” E é com John Lennon que seguimos o baile e depois vem Kevin Ayers, Seu Jorge, João Gilberto e Paul Simon! Tá bonito.

Goodybye Pork Pie Hat é um clássico do repertório de Charles MIngus. Joni Mitchel, que era fã, gravou um disco com o nome dele (Mingus, 1979) e eu achei esta versão dela cantando junto com Herbie Hancock o adeus ao “chapéu torta de porco”. Bailanta segue com Geoffrey Williams, Rory Gallagher, Nancy Priddy, The Rolling Stones, Jim Sullivan, Leo Nocentelli, Silvia Maria e mais um disco que sempre me chamou atenção pelo nome Meu irmão toca na sinfônica, de Claudio Guimarães.

Seguimos com Arrigo Barnabé junto de Luiz Tatit e de Lívia Nestrovski, com a mexicana Banda de Los Muertos, com Grant Green, num disco dica de Marco Oliveira, com Guinga e Djavan, Fátima Guedes, Sinéad O’Connor cantando Tom & Vinícius, com a polonesa Dorota Miskiewicz com Toninho Horta, no recém lançado disco Bons Amigos. Vale o esforço da moça pra cantar em português…Em frente com Pink Floyd, Bob Marley, Fernanda Ouro lançando disco novo, e vamos pros finalmente com Dan Auerbach, Junior y su Equipo, de mais uma coletânea da pesada: Ecuatoriana-El Universo Paralelo de Polibio Mayorga ( 1969-81).

Quer fazer versos sofrência sobre relacionamentos afundando? Aprenda com Fátima Guedes em Passional:

Já vai embora…
não diga adeus toda hora.
Diga só um que tente cortar
esse meu ar de sua senhora,
insuportavelmente um ar que te explora.
Não morra de pena de mim.
O que eu sinto
é coisa que passa e não mora.
Seja feliz pela vida.
pra mim é questão de tempo ou bebida.
Pode ser de tempo ou ser de temporal,
daquele que arrasa e que a tudo faz mal…
Depois tudo fica igual.
Esqueça meu pranto
e o meu rosto arrastando
esse amargo terror passional.
Veja meu caro,
nosso amor não foi nada de raro.
Teve um magro final.
O fim de toda trama
que começa na cama
e termina metade carnal.
Já vai embora…
Me deixe sozinha agora.
Que eu quero me despentear e me desesperar
pela casa afora,
sumir no rubor de quem chora,
clamar a explosão do desgosto
e acabar com esse meu ar
de sua senhora.

E fechamos a tampa com Dona Onete, Jovens do Prenda, Clementina de Jesus, Baby Consuelo, Cid e Augusto de Campos lançando os dados e encerrando de vez com a múmia do Bob McFadden! É isto aí macacada! Que a semana seja cheia de boas noticias.

a foto da capa desta corda mostra as raízes das árvores da pracinha da rua democratas.

LINKS! LINKS! E MAIS LINKS!

o site do bookcrossing: https://www.bookcrossing.com/

sobre entre amigos https://www.companhiadasletras.com.br/livro/9788535923759/entre-amigos

um artigo na NPR sobre Body and Soul

https://www.npr.org/2000/03/06/1071243/body-and-soul

E A PLAYLIST!