Eu levei 30 anos pra entender, mesmo que superficialmente, aquilo que o Darcy Ribeiro escreveu sobre Minas Gerais -em aproximadamente 30 páginas- no seu livro o Povo Brasileiro. Quando li, o capítulo mineiro me pareceu uma quebra de ritmo e de estilo. Tudo que antes era análise original, virou um miramar miramonte sentimental. Eu simplesmente não conseguia entender a mineiridade e era incapaz de juntar o matuto capiau com a Pampulha, do mesmo modo que conseguia enxergar o taura grosso nós fumo e nós viemu de Bagé que circula pelo Menino Deus. Também tinha o fato de que pelo menos até o final dos anos 90, apesar dos ótimos e generosos amigos de lá, BH era uma das cidades mais sem graça do país, onde tudo girava em torno da limpinha e cheirosa Savassi. O bom é que assim como são as pessoas são as criaturas, tudo muda e hoje existe vida nova no final da Av.Afonso Pena. Rola um funk debaixo do viaduto, rola um samba perto do Edifício JK e rola muita coisa do lado de lá do Viaduto de Santa Teresa. E tem as Minas, onde o papo é completamente outro. Tem Cambuí, que o meu amigo Benedito Tadeu transforma junto com seus amigos em uma sucursal de Macondo, provavelmente mais delirante. Tem Diamantina, onde o Lúcio Costa teve uma epifania e descobriu que a arquitetura colonial de lá, simples e sem enfeites, fazia muito mais sentido e conversava muito mais com a arquitetura moderna do que o neocolonial que ele até então seguia. Depois de Diamantina, Lucio Costa nunca mais rabiscou sobradinho nenhum pra José Marianno Filho e virou um devoto seguidor de Le Corbusier. Mas não foi só o Lucio que teve epifanias por lá. Mais ou menos na mesma época, outro grupo de modernistas, convidados pela ricaça Olívia Penteado também foi ungido e abençoado pela brasilidade, após fartas doses de cachaça com queijo meia cura. Oswald, Tarsila e Mário de Andrade, em companhia do poeta francês Blaise Cendrars, descobriram em Sabará e Ouro Preto um novo caminho pra tocar seus trabalhos e para interpretar o país. Cendrars, descobriu a horripilante história de Febrônio Índio do Brasil, um sujeito que também viveu em…Diamantina. Mas isto é outra história. Se você tiver uma epifania, ou se quiser seguir novos caminhos, assine Na Corda Bamba nos botões vermelhos lá embaixo, ou faça um pix para fabpmaciel@gmail.com Saravá! Na Corda Bamba edição 68 tá na rede.



Eu devia ter uns 13 anos quando vi numa banca da Feira do Livro de Porto Alegre aquela capa simplesmente linda, desenhada pelo Elifas Andreato para o livro A Morte de D.J em Paris, de Roberto Drummond. Ao lado dele, O Pirotécnico Zacarias do Murilo Rubião e ao lado do Rubião, A Balada do Falso Messias do Moacyr Scliar e ao lado deste Os Agricultores Arrancam Paralelepípedos, do Garcia de Paiva. Todos faziam parte de uma coleção da Ática, todos com capas do Elifas. Todos tinham entrevistas com os autores nas primeiras páginas e na Morte de D.J, Roberto Drummond dizia que queria fazer uma literatura pop, que queria livros como canções de Bob Dylan e pronto, Roberto Drummond, antes do D.J morrer em Paris já tinha virado meu herói. Duzentos anos depois, eu tava fazendo a série Clubes do Coração pro SporTV e em Belo Horizonte, obviamente iria filmar jogadores e torcedores famosos do Galo e do Cruzeiro. Drummond, apesar de atleticano doente, não queria falar de jeito nenhum, pedi pra produtora apelar pra vaidade e dizer pra ele que o diretor era fã, leitor do D.J, etc, etc…ele topou falar, chegamos no prédio, ele pediu pra gente esperar na portaria, desceu e contou que o apartamento dele estava sendo reformado pela revista Caras e que aí a gente não podia filmar lá, se tinha problema fazer ali no play.
Ai que saudades que eu tenho dos meus 13 anos.



ZÉ abriu o Cine BH. A sessão foi chapa quente. No palco apresentando o filme, o ator principal Caio Horowicz lembrou do passado de violência e perseguição política da ditadura e comparou este passado com os zumbis bolsonazistas do 08 de janeiro. Da plateia, um vivandeiro viuvinho gritou mentira e o furdúncio começou. Na hora me lembrei do Colonel Tom Parker, que sempre contratava uns incautos esfomeados do Cinturão da Bíblia pra achincalhar Elvis Presley e ficar gritando e esperneando que o diabo era o pai do rock e que o satã rebolante devia ser banido do mundo de qualquer maneira. Lembrei também do Carlos Berriel, que afirma categoricamente que Oswald de Andrade convocou uns amigos do Largo do São Francisco pra vaiar a leitura de poemas e com isto, dar um sacode na semana de 22 que até então, estava bem modorrenta. Se não fosse triste, seria uma boa estratégia, tipo uma farra do boi de barraco pra se livrar dos encostos. Estratégia simples: Festival de Brasília: chama uns vagabundo com cara de queimador de índio em ponto de ônibus pra gritar Anauê! Festival de Gramado: não precisa chamar ninguém, metade da plateia já é galinha verde sazon de nascença; Festival de Recife: chama uns cabrunco pra impedir que os galinhas verdes sejam depenados ao vivo e…

…e então, ao longo do ano, nas aberturas dos festivais teríamos junto do momento agradecimentos aos patrocinadores e do discurso de defesa do cinema nacional -este, caramba! este escuto desde 1985, quando fui pela primeira vez em um festival, mas ele já era feito muito antes, desde o mario peixoto, do humberto mauro, do alberto cavalcanti e do alex viany, e o fato de ainda precisarmos deste discurso diz muito sobre a nossa incapacidade de mudar qualquer bagaça…

…E o trágico é que não mudamos as bagaças e os encostos seguem soltos por aí, abrindo feiras do agro é pop, sorrindo em enchentes catarinas e recebendo cafunés do governador (e do alcaide paulista também) em convescotes do BOPE. Os encostos seguem chafurdando por aí, em Porto Alegre, onde o prefeito véio veio, do mdb com M de negacionismo e D de golpismo é um miss simpatia do vivendas e o governador, do PSDB com S de privatizar tudo e D de privatizar tudo por preço de banana, apesar de usar talheres também é miss simpatia do vivendas. O encosto segue em Minas, onde o governador que nunca lê e tudo ovo também é chegado num primeiro de abril e numa venda de tudo à preço de banana e no Cine BH, no momento agradecimento aos patrocinadores, no comercial da CEMIG, uma voz da plateia gritou A CEMIG É NOSSA! e no comercial da COPASA outra voz gritou a COPASA É NOSSA! e no comercial da MaterDei como não se podia gritar o BEBÊ É NOSSO! alguém gritou VIVA O SUS! Por enquanto, pelo menos nas aberturas de festivais, estamos nos livrando dos encostos.

ZÉ não é exatamente um filme fácil, muita gente achou ingênuo, mas o fato é que apesar da coragem, os jovens que tentaram a luta armada em 1971,72, 73, eram mesmo muito ingênuos. O discurso que hoje soa panfletário e romântico também era panfletário e romântico em 73. Noves fora dois pra lá, dois pra cá, gostei do filme do Rafael Conde (diretor de um curta incrível que já foi falado e linkado anteriormente aqui na corda: A Hora Vagabunda) e gostei de ver a Samantha Jones, atriz que tem nome e rosto de estrela de blaxploitation.

Festivais de Cinema não são muito diferentes de congressos e convenções de qualquer outra profissão. Creio até que alguns eventos corporativos ganham de goleada no quesito badauê boca livre e se alguém sonha com orgias e bacanais romanos, sugiro mudar de ramo, talvez para as indústrias de armamentos ou pra de medicamentos, onde a chance de se dar bem e de frequentar sacanagem de verdade, é bem maior. Em Festival de Cinema se discute cinema. Em Festival de Cinema se discute a política de cinema que se quer para o país. Projetos são apresentados a possíveis financiadores e exibidores. Filmes são exibidos e são analisados. Mostras diversas acontecem, debates, cursos, workshops, oficinas. E, claro, bebe-se depois do expediente, porque afinal de contas, qual é a graça?

Fui parar em BH pra fazer um oficina de direção de documentário, que virou um curso relâmpago da história do documentário, das diferentes linguagens, dos tipos de narrativas, as estratégias de filmagem, os dilemas da realização, o que é verdade, o que é mentira, tudo isto misturado com um pouco de prática, dos relatos das minhas próprias experiências, os desastres, as trapaças da sorte e as traças da paixão, porque no fim de tudo, o que se deve ensinar em uma workshop de documentário é como viver ganhando pouco ou quase nenhum dinheiro. Labour of Love, como me disse um produtor canadense há muito tempo atrás. Eu acreditei.

E quando a gente vê um filme como Nada Sobre meu Pai, da Susanna Lira, ou como Toda Essa Água, do Rodrigo de Oliveira, sobre o Lô Borges, a gente continua acreditando que fazer documentário é legal pacas. Que eles nos ajudam a nos livrar, senão de todos, de muitos encostos. Livram quem faz e quem assiste. O filme de Susanna Lira está numa categoria à parte, onde quem realiza também é personagem. É um filme de busca, de redenção, de livramento. É um filme onde é preciso muita coragem para se expor e de muita sabedoria pra não se deixar cair nas armadilhas da narrativa de folhetim. Susanna teve coragem e sabedoria de sobra e fez um filme de arrepiar.
O filme do Lô Borges é outra parada. Vi numa sessão catarse, na Praça da Liberdade e com apenas 10 minutos, quando a família Borges reunida em casa canta o Sapo, eu caí em lágrimas e estas rolaram em vários momentos ao longo da projeção. Se a intenção era emocionar, o Rodrigo e a Vania Catani conseguiram na veia.
O Groucho Marx, todo mundo já sabe, dizia que não entrava em clube que o aceitava como sócio. Como ainda preciso de umas carteirinhas pra continuar circulando, gostei e muito de ter ido pro Cine BH. Foi bom reencontrar a Clélia Bessa, a Érika Rodrigues, a Daniela Vargas, o Mario Borgneth, a Lorenna Montenegro, o Tito Gomes, o Pedro Butcher, o Pedro Bronz (não deu pra ver Beth Carvalho, mas tá na lista) de conhecer a Luana Rocha e principalmente, de dividir os serviços com o responsável (ou culpado) pela minha ida ao festival, o pra onde vai papai ojo, vou depressa por aí, pra fazer uma folia com os filhos de GhanDI MORETTI, o rei da patuscada roteiristica e também patrocinador da minha acessibilidade local. E antes que eu me esqueça: Heloisa Jardim, obrigado pelo livro do Tarkovski! Não deu tempo de encontrar o panda Fábio Nascimento, nem de tomar cerveja debaixo do viaduto com a Rejane Faria e o Afonso Borges não tava por lá, mas deu tempo de encontrar o embaixador Paulo Tadeu e meu cunhado Gabriel, a Natália e a Lua, de tomar cerveja e fugir da chuva com eles.
Apenas para chover no meu piquenique.
PAZ! Sábado tem playlist.

LINKS, LINKS E MAIS LINKS:
sobre o povo brasileiro do darcy ribeiro:
https://jornalggn.com.br/historia/o-povo-brasileiro-resenha-do-livro-de-darcy-ribeiro/
o encontro de cendrars com os modernistas em minas:
https://loja.editora.unb.br/artes/blaise-cendrars-no-brasil-e-os-modernistas-3601/p
silvio da-rin fez um curta sobre febrônio:
sobre elifas andreato:
http://www.emporioelifasandreato.com.br/main.asp
o site do cine bh: https://cinebh.com.br/
uma crítica do zé: https://vertentesdocinema.com/ze/
blaxploitation na britânica:
https://www.britannica.com/art/blaxploitation-movie
e na abraccine
mauro ferreira escreve sobre TODA ESTA ÁGUA:

susanna lira fala de nada sobre o meu pai:
pedro bronz fala de Andança, seu filme sobre Beth Carvalho: https://www.papodecinema.com.br/entrevistas/andanca-quis-promover-experiencias-nao-dar-informacoes-mastigadas-ao-espectador-diz-o-diretor-pedro-bronz-exclusivo/
ana rieper está lançando filme sobre o clube da esquina. passou no festival do rio e agora tá mostra sp:

e vento de maio pra fechar a tampa do meio de outubro:

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