trem que sai de jaçanã nunca chega em japeri
trem que parte da central nunca alcança a luz
provérbio ferroviário
Eu não tenho paciência pra rivalidade Rio-SP. Acho que as duas cidades merecem ser louvadas e devem ser espinafradas. Mas seria uma tremenda cretinice negar as particularidades de cada uma. Em tempo de bienal, duas canções iluminam as diferenças entre elas, diferenças cromáticas, espaciais e imagéticas (pronto, finalmente dou um uso para esta palavra tão murrinha). Canções que amplificam os contrastes, que jogam uma cartela inteira de pantone nas cabeças dominadas pelo urso branco da polarização*. Canções que não se furtam dos tons ocres e muito menos dos pastéis de carne com queijo e de pizza com ketchup. Pegue carona nesta cauda de viação cometa, chegue junto nos botões vermelhos lá de baixo e assine NA CORDA BAMBA, o blog mais apocalíptico e desintegrado do Brasil. Ou faça um pix de qualquer valor, repito, qualquer valor mesmo, para fabpmaciel@gmail.com
Saravá!

Começamos com Tuca no Abstrato nº1 (descrição de um quadro da Bienal), música dela mesma com seu parceiro Zeka, lançada em seu disco de 1968.
No espaço e nesse solto
Um cubo branco se compõe
Entre planos coloridos
Retas loucas que se cruzam
Fugam sempre no infinito
Entre pontos espalhados
Duas retas pontilhadas
Estão querendo entrar no quadro
Não conseguem
Se apavoram
Uma foge
Outra se esconde
Encabulada
Atrás do plano
Que é opaco
E azul-escuro
Mais pra cima não tem nada
É vazio bem claro e frio
Surge um ponto que cintila
Sai de lado lentamente
Até o ponto onde se espalha
Uma rodinha antipática
Não gostei do quadro!

De Congonhas desembarcamos no Santos Dumont, bem ao lado do MAM, a grande obra da madame Guiomar, onde Moreira da Silva pintou triângulos, redondos e quadrados no samba breque de Miguel Gustavo.
Desembarquei fantasiado de pintor
No aeroporto já encontrei o Ibrahim
Fez um discurso e apresentou-me ao Dourado
que já de cara deu apartamento para mim.
-Moringueira vais levar um duplex?
-É o seguinte, eu não mereço, eu não mereço tanto. É muita gentileza sua.
Fomos direto ao museu de arte moderna
A grande obra de madame Guiomar
Condecorando-me com a ordem do vaqueiro
O Chateaubriand quase chegou a me estranhar
-Embaixador, deixa isso pra lá. Vossa excelência que é o admirador e protetor das artes do Brasil.
Mas ali mesmo demonstrei o meu talento
Pintei triângulos redondos e um quadrado todo oval
Eles olhavam perturbados e diziam
“Esse Moreira é um artista genial!”
Mais que depressa eu vendi noventa quadros
Depois de dar uns dois ou três em benefício
Entrevistado pelo Rúbens do Amaral
eu respondi “ora, que nada, é meu ofício”
Pintei vassouras com feitio de espadas
Pintei espadas qual vassouras
Retirei-me do local
Mas a ilustríssima platéia delirava
“Esse Moreira é um artista genial!”
Pintei um quadro só por fora das molduras
Eu joguei tinta nas paredes todo mundo achou legal
Eu comi rosas e as madames exclamaram
“Esse Moreira é um artista genial!”
E eu que não pintava nem nos muros da Central!
Mais que depressa eu vendi noventa quadros
Depois de dar uns dois ou três em benefício
Entrevistado pelo Rúbens do Amaral
eu respondi “ora, que nada, é meu ofício”
Pintei vassouras com feitio de espadas
Pintei espadas qual vassouras
Retirei-me do local
Mas a ilustríssima platéia delirava
“Esse Moreira é um artista genial!”
Fui à Brasília dei um quadro de presente ao maioral. Era um triângulo redondo, mas Nonô achou legal.


Vá direto até a Estação Primeira da Mangueira e ouça Cartola confessar que teve sim, um outro grande amor antes do seu. Volte pra São Paulo, sem escalas, direto pro Bexiga, quem sabe Adoniran Barbosa não te descola duas mariolas e um cigarro Yolanda.

Estique até Cumbica, pegue um avião para Colômbia e chegue ao amanhecer, bem à tempo de ouvir a cumbia de Adolfo Echeverria. Embarque em outro avião de carreira e vá para o Paquistão ouvir a voz alucinante de Nusrat Fateh Ali Khan, que foi a maior estrela da música de seu país. Nusrat pertencia à uma linhagem de 600 anos de cantores de Qawwali, e transformou esta música sufi em remelexo pop. Siga no mantra e volte para o Beco das Garrafas em Copacabana, onde Milton Banana transformava bossa em blues. Corra do Galeão e se mande pro Mississipi, numa trinca com The Staple Singers, Slim Harpo e Aaron Neville.

The Beatles com a palavra, Can repetindo a dose de domingo passado, Moby porque tinha tempo que não ouvia, Duran Duran fazendo versão pra Talking Heads no disco que saiu do forno há poucos dias e, acreditem, os favoritos da princesa continuam em forma. Você certamente já ouviu Jean Knight perguntando: Mr.Big Stuff, quem você pensa que é? Jimmy Hicks, malandro que não bobéia, respondeu, Mr.Big Stuff sou eu, vai encarar? Também no bis de domingo passado, União Black, na instrumental Melô do Lula. Chama o cara pra ouvir.

Edu Lobo faz 80! Edu que eu ouço desde que nasci. Edu que falou bobagem sobre tropicalismo, mas eu não dou bola pra isto e fico com as sensacionalidades que ele já nos apresentou. E mais não digo, até porque o Hugo Sukman tem escrito por todos sobre o Lobo. E vamos de Sivuca no Ponteio, seguido por uma coletânea malandra de versões espanholas de Miltinho, Agostinho dos Santos e Rosana Toledo, o disco Recuerdos, um dia alguém ainda vai ter que se dedicar à estas versões pro mercado hermano. Atenção ao órgão, que acredito que deva ser do Ed Lincoln. From Russia with love para o Canadá, Sophie Milman cantando Love for Sale seguida pelo jazz da Etiópia de Mulatu Astatke e pela bossa de Rosa Maria, pela versão de João Parahyba para Nanã, dos Escravos de Jó com Dom Um Romão, de Chove-Chuva com Miriam Makeba (acompanhada de Sivuca) e seu conterrâneo de bafana bafana Abdullah Ibrahim.

Momento calmaria, momento melancolia, pro cigarrinho, pro que for preciso, momento de The Jesus and Mary Chain cantando My Girl, do Native Harrow cantando Hard to Take e uma dobradinha de Jimmy Scott, o cantor franzino e incomum em tudo. Herói de Lou Reed, Madonna, Thomas Pappon e muitos outros bambas. Vale parar tudo e só ouvir, esquecendo de todo o resto. Jimmy Scott fez ponta em Twin Peaks e também na espertíssima comédia Perigosamente Harlem. O trem segue com Jess Roden, Jerry Lee Lewis, Miguel de Deus – mais uma descoberta do Brasil Black 70- com Milton Nascimento cantando em inglês e voltando pro balaco com Soul II Soul, Smoove, The Souljazz Orchestra e com João Donato quebrando tudo.

Uschi Bruning era uma garota da Alemanha Oriental que amava os Beatles, os Rolling Stones, a disco e o jazz, e ela está numa coletânea supimpa chamada Amiga A Go-Go, que mostra o desconhecido filé do pop produzido na República Democrática Alemã. O comboio segue de Chicago, com a banda de estúdio The Soulful Strings, que durante alguns anos gravou sucessos do soul, R&B nos estúdios da Chess. E Van Morrison está de volta ao passado, ao passado que importa, das canções de sua juventude, Blueberry Hill já rolou aqui na corda com Fats Domino. Fazendo a curva encontramos Nino Tempo & April Stevens na deliciosa Deep Purple. No embalo com Teenage Kicks, sucesso dos Undertones.
Uma sequência choque de monstro: Baden Powell, Egberto Gismonti e Steely Dan.
Mombojó canta Odair José, ela voltou diferente, mais diferente do que a moça que tá diferente, a musa música brasileira de Chico Buarque, Na reta final com o paraibano Julico (se liguem, este cara é demais!), numa faixa do disco dos 80 de Edu Lobo, com Chico Hamilton e Tuca cruzando a linha de chegada!
Por hoje é só pessoal! Saravá, paz e tudo mais!
A imagem da capa da corda de hoje é a tela movimento, 1951, de waldemar cordeiro, que está no MAC-USP. Abaixo, algumas preciosidades do Almanhaque do Barão de Itararé de 1955:



*o asterisco lá de cima é pra avisar que ursinho branco da polarização é uma expressão que o joão ximenez braga criou pra falar da turma da redação que coloca no mesmo saco miliciano do vivendas e renomados acadêmicos. aliás, no mesmo almanhaque de 55, encontrei esta frase supimpa, que segue valendo:
um bom jornalista é um sujeito que esvazia totalmente a cabeça para o dono do jornal encher nababescamente a barriga.
LINKS! LINKS E MAIS LINKS!
encontrei no blog do gabriel bernini um ótimo texto sobre a tuca. vale o texto e vale o blog, só não vale a marca d’água que ele coloca completamente em todas as fotos. aí é melhor não postar.
fred coelho escreveu um livro sobre a história e a arquitetura do MAM carioca:
https://www.cobogo.com.br/produto/museu-de-arte-moderna-rio-de-janeiro-arquitetura-e-construcao-469
ana maria magalhães fez um filme contando a vida de Affonso Eduardo Reidy, o arquiteto do MAM. E do Pedregulho também!
https://canalcurta.tv.br/filme/?name=reidy_a_construcao_da_utopia
publicidade bacana e inteligente tem que ter cachorro fumando cigarro yolanda:
https://www.propagandashistoricas.com.br/2014/03/cigarros-yolanda-cachorro-fumante-1932.html
Para saber sobre o Qawwali e a sua passagem de música sufi para música pop: https://asiasociety.org/qawwali-sufi-ritual-commercial-pop
eddie veder canta the face of love com Rahat Fateh Ali Khan
a rage in harlem, trailer:
lou reed falando sobre jimmy scott em seu facebook:
julico!
mauro dorfman, leitor destas páginas bambas está sacudindo o esqueleto em utrech, num festival da pesada. acho que o carlos eduardo lima iria aprovar o laineâpi:
waldemar cordeiro no mac-usp:
https://acervo.mac.usp.br/acervo/index.php/Detail/objects/18214
A PLAYLIST!

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