Oh Zé Mané! Como você não sabe quem é o Zé José??? É claro que você sabe quem é o Zé José! Manda o material do show pra ele. A dica era do Luis Marcelo Mendes, que naquela época ainda exercia a profissão de jornalista enquanto sonhava em ganhar a vida como baixista do Sombras que Surgem. Não lembro se mandei ou não o material, mas anos depois comecei a ver a cara do Zé José no Facebook. E lembrei de já ter visto aquela cara no Estação Botafogo, no Crepúsculo de Cubatão e em outros pontos da cidade. De vez em quando a cara dele some do facebook. Ele é um dos campeões de suspensões na rede de Mr.Zucker. É muita chinelagem. Do Zucker, é claro. Jornalista. Escritor. Ambientalista. Cineasta. Crítico. Animador. Analista Político. Palpiteiro. Futeboleiro. E, mais importante, fã incondicional do B-52s! Zé José, o Eduardo Souza Lima, é o cara da edição 77 de Na Corda Bamba.

FM: Vamos começar com a ficha técnica: nascimento, onde, bairro, Bangu, Flamengo, família, jornalismo, zona norte-zona sul, jornais onde trabalhou…
ZJ: Nasci em Realengo, em 1962. Sou Flamengo congênito e simpatizo com o Bangu geograficamente. Minha mãe era telefonista quando eu nasci, mas, pouco depois, virou dona de casa. Meu pai era cabo da Marinha e, portanto, era proibido de se casar na época. Virei jornalista por acaso. Na Zona Oeste só se conheciam três opções: Direito, Engenharia e Medicina. Meus pais, porém, sempre me incentivaram a fazer minhas escolhas e, apesar de ser pobre, vivia cercado de livros de ler – que pedia de presente de Natal ou aniversário – e de arte, pois meu pai colecionava a Gênios da Pìntura. Então, tentei Belas Artes, mas não passei no teste de habilidade específica. Uma noite fui segurar vela para um amigo e conheci o irmão da namorada dele. Ele me disse que eu deveria tentar Comunicação porque eu era muito comunicativo e eu caí nessa. Comecei na “Tribuna da Imprensa” em 1988, depois fui para Ubá (MG) editar “O Repórter”, um jornal de lá, e quando voltei fui para “O Globo”, de onde saí cinco anos depois para ser feliz na revista “Manchete”, mas acabei voltando para “O Globo”, onde fiquei mais 10 anos. Depois disso, virei frila um bom tempo, dos mais diversos veículos. No momento, sou articulista e redator da ONG Uma Gota do Oceano, e posso dizer que sou ambientalista também. Antes, basicamente só tinha trabalhado na área de cultura.

FM: Você é provavelmente um dos poucos jornalistas que não passa pano em jornalistas. Acho que somente os médicos e os desembargadores são tão corporativistas quanto os jornalistas.
ZJ: Nunca entendi jornalista que se ofende quando você fala mal do jornalismo, como se fosse uma crítica dirigida a ele. Mas, como não sou corporativista, cada um que responda por si.
FM: Por que nunca conseguimos nos livrar dos jornalões?
ZJ: Não vamos precisar nos livrar dos jornalões porque eles estão cometendo suicídio – lento e doloroso. Digo isso desde os anos 1990.
FM: Não te parece um masoquismo seguirmos lendo os jornais que odiamos?
ZJ: Para mim, o jornalismo de verdade é essencial para a sociedade. Vou citar só um caso: não fossem as Organizações Globo, teria morrido muito mais gente na pandemia. Sejamos justos. Mas hoje em dia eu quase não leio jornal. Até porque “O Globo” está tão fininho que virou folheto.
FM: Na Itália, na França, na Europa de modo geral, a esquerda lê jornais de esquerda…
ZJ: Porque na Itália, na França, na Europa de modo geral, ainda existe esquerda.
FM: Tá rolando um boato de um supergrupo reaça total em formação, algo como uma aliança de beijo de língua e dedo na raba entre os 4 cavaleiros do apocalipse: Estadão, Jovem Pan, Brasil Paralelo e Revista Oeste. Mas ideologia só a esquerda é que tem…
ZJ: Você esqueceu do principal: a “Folha de S. Paulo”. Sua guinada para a extrema-direita, de uma hora para outra, me pegou de surpresa. Hoje é um jornal fascista, não só de oposição. Mas eles têm razão, ideologia só quem tem é a esquerda caquética, como disse o ex-Gabeira. Eles não têm nenhuma. Estão nessa só pela grana. É uma aposta arriscada, pois a extrema-direita não lê, não se interessa pela História do Brasil e não sabe reconhecer quem é inimigo ou aliado.
FM: Que fim levou a Zé Pereira? É possível fazer uma revista no Brasil sem ser o João Moreira Salles?
ZJ: Prefiro dizer a que fim a “Zé Pereira” me levou: à falência. Não tenho o menor tino comercial. Hoje ela marca presença nas redes sociais e olhe lá. Sim, para uma revista durar o tempo que a “Piauí” está durando é preciso ter uma boa reserva, pois são pelo menos dois anos de prejuízo. Sou contra a existência de bilionários, mas o João, além de ser um cavalheiro, podia ser um bilionário que investe nas diversas modalidades de tráfico, golpes de estado etc. Mas prefere perder dinheiro com cultura.

FM: “Martina no Vale do Germânio” é seu primeiro livro de ficção. Jornalista sabe inventar histórias?
ZJ: O jornalista doura a pílula. É uma espécie de ficção, sim. Para mim, como escritor, o lado bom é que eu escrevo com bastante facilidade, porque sou obrigado a fazer isso há mais de 30 anos diariamente. Por outro lado, tem o lado da concisão. Sou muito objetivo. Não fosse o meu amigo Sérgio França, editor de livros com décadas de bons serviços prestados ao ramo, “Martina” seria um conto, não um romance.

FM: De que trata o livro?
ZJ: A grosso modo, “Martina no Vale do Germânio” é uma história de amor carnal vivido num mundo virtual – e, por isso, tem passagens de sexo nuas e cruas, não tem essa de fazer amor, é pau na buça e buça no pau. Pode parecer machista à primeira vista, mas é, basicamente, um libelo anti-patriarcado. Comecei a escrever esse livro em 1996 – ou seja, é pré-“Matrix”, serviços de streaming, direito de imagem digital, dessa confusão ideológica que vivemos hoje etc. Se saísse na época, seria visionário, mas não seria tão bom. Na época, estava na moda jornalista escrever livro, então me senti na obrigação. Hoje, tenho muito mais experiência e li Thomas Pynchon. Mas sua narrativa fragmentada remete ao “Zero” de Ignácio de Loyola de Brandão e ao “1919” de John dos Passos, a humor à Kurt Vonnegut Jr. e ao amor à língua portuguesa de Machado de Assis, sem chegar aos pés de nenhum deles, evidentemente. Como comecei a escrevê-lo em 1996, retomei daí: é uma ficção científica retrô, pois é como se tivesse sido escrita nos anos 1990. É meio como um quebra-cabeças que vai sendo montado aos poucos, mas é fácil de ler, mesmo com tantas citações obscuras – elas dão o tempero, mas o leitor não precisa conhecê-las para entender a narrativa. Tem fichas técnicas de filmes que não existem, propagandas e notícias – que chamo de informes publicitários, uma ironia – que servem para situar o leitor naquele mundo, mas também contêm pistas que revelam quem são, na verdade, os personagens. No fim, tudo se encaixa.
FM: É ficção científica? Lembrei que é um de seus gêneros favoritos.
ZJ: Sempre adorei ficção científica, mas por babaquice minha, pelo fato de ser considerado por muita gente um gênero menor, eu fazia pose de intelectual. A única vantagem de chegar aos 60 é que você não precisa provar mais nada a ninguém.
FM: Você também tem um canal de animação, a TV Claraminholas.
ZJ: Sim, mas estou me aposentando da atividade. Criei a TV Claraminholas para minha filha. Ela está crescendo e como é o meu público-alvo, o canal está perdendo sentido. Só preciso terminar o longa-metragem. Sou autodidata e faço tudo sozinho, dá muito trabalho. De qualquer forma, tem mais de 90 vídeos lá, espero que sejam úteis para outras crianças.

FM: Já que ser jornalista e escritor é complicado, você resolveu ser cineasta também…
ZJ: Na verdade, eu sempre quis fazer filmes. Mas na minha época fazer cinema era só pra rico – a começar pelo material, uma lata de 35mm custa uma pequena fortuna. Na faculdade eu e um grupo de amigos fizemos dois curtas em VHS, mas parou por aí. Até que pintou o digital e o “Rio de Jano”. “Três no Tri” e “Bola para Seu Danau” foram dois raros filmes que fiz via edital. Considero o “Três no Tri” mais um filme sobre a era romântica do jornalismo fotográfico do que sobre futebol. Eu conheci o autor da foto em minha passagem pela “Manchete”. O saudoso Orlando Abrunhosa, o Orlandinho, é daqueles casos em que a obra eclipsa o autor. Sua foto é uma das mais reproduzidas pela História e ele nunca foi remunerado honestamente por ela – isso quando era remunerado e lhe davam crédito. Já o “Bola para Seu Danau” eu fiz quando voltei a morar na Zona Oeste. Nunca tinha ouvido falar de Thomas Donohoe, o Seu Danau. Ele foi um dos operários que vieram da Europa para trabalhar na recém-fundada Fábrica de Tecidos Bangu e, meses antes de Charles Miller, organizou uma pelada no gramado da empresa. Só jogou britânico – Donohoe era escocês e artilheiro de seu time em sua cidade natal. Era o próprio fominha de bola. Por isso, acredito que ele não só introduziu o futebol no Brasil, como criou o espírito do futebol brasileiro.


FM: O futebol brasileiro vai acabar? Quanto tempo falta para levarmos um olé de Chipre ou Malta?
ZJ: O futebol brasileiro nunca vai acabar porque o brasileiro encarnou o espírito do Seu Danau, é um fominha de bola. A gente não pode ver qualquer que lembre remotamente uma esfera que chuta. É um reflexo condicionado. Mas o futebol em si, não só o brasileiro, hoje não me atrai – e olha que eu fui geraldino. É muita correria e objetividade. O futebol era o esporte mais democrático do mundo porque até um cara com as pernas tortas podia jogar. Hoje acho que nem deixariam o Garrincha passar pela peneira. São todos fisicamente muito parecidos.

FM: Eu tenho uma tese de que parte do nosso fracasso, 25% pelo menos -os outros eu credito à cbf e à tv globo- se deve aos técnicos gaúchos.Deveria ser proibido o exercício da profissão aos nascidos no Rio Grande.
ZJ: Bom, o Diniz acaba de jogar por terra sua tese de técnicos gaúchos. Na real, tirando os 7 a 1, não acho que o Brasil tenha ido mal nas últimas Copas. A gente é que espera ganhar tudo, mas tem pelo menos seis seleções em condições de ser campeãs. Acho que o nosso maior problema atualmente é que a safra não é boa. O nosso jogador diferenciado (sic) é o Neymar, que seria, no máximo, banco em qualquer Seleção Brasileira que eu vi jogar. Por acaso, vi uns gols do Kaká pela seleção. É brincadeira, como jogava. Ele fez um gol na Argentina igual ao que o Maradona fez contra a Inglaterra.
FM: Você é o campeão de punições do facebook!
ZJ: Sou, e pelos motivos mais patéticos. Alguém me persegue lá. A primeira suspensão de um mês que eu peguei é porque tive uma reação braba à primeira dose da vacina contra a covid e uma amiga escreveu que não sentiu nada e eu respondi “é que homem é tudo frouxo”. O Facebook sofre de masculinidade frágil.
FM: E tem escrito sobre meio ambiente.
ZJ: Sim, e isso está me deixando louco. Tem um relógio em contagem regressiva na minha cabeça. Por mim, beleza, não devo ter muito mais que 10 anos de vida, mas eu penso em minha filha e em todas as crianças da idade dela que vão herdar esse inferno. Somos absurdamente irresponsáveis. Tem coisas que eu sei que prefiro nem falar, guardo o desespero só para mim.
FM: Pra encerrar, governo Lula: Quantos dedos você acha que ele vai ter que entregar? Eu tenho a impressão que no final das contas, ele vai entregar tudo e deixar uns dois dedos pro povão e pra gente…
ZJ: Com esse Congresso ele vai ser obrigado a dar até o dedo que não tem.

É isto macacada! Domingo Grêmio e Botafogo se deram mal. Ontem o Botafogo se deu mal novamente. E quem vai se dar mal muito em breve sou eu mesmo, se não conseguir pagar as contas. O natal está chegando. Deixe um presente, não importa se modesto ou generoso, para NA CORDA BAMBA no pix fabpmaciel@gmail.com Também vale assinar o blog nos botões vermelhos lá de baixo. PAZ!
A imagem da capa desta edição da corda não poderia ser outra a não ser a foto de Orlando Abrunhosa, no México em 1970.
LINKS! LINKS! E MAIS LINKS!
Um dia alguém ainda vai ter que escrever sobre a influência da Gênios da Pintura na vida da classe média brasileira. Meu pai tinha ela completa, encadernada, e eu cresci lendo o nome dos gênios na lombada, até criar coragem e começar a ler os fascículos:
https://www.estantevirtual.com.br/livros/abril-cultural/genios-da-pintura-8-volumes/2692807446
A Tribuna da Imprensa era o jornal do Carlos Lacerda, herói da classe média conservadora carioca. O jornal começou apoiando a UDN contra Vargas, depois clamou um golpe militar contra JK, apoiou Jânio, quando Jânio renunciou pediu golpe militar novamente, Lacerda vendeu o jornal para Hélio Fernandes, que apesar de ter um time fera de colaboradores, fez oposição sistemática à Jango, era contra a reforma agrária e claro, pedia golpe militar semana sim, semana também. Até que o golpe veio e os militares colocaram Carlos Lacerda pra escanteio, aí o jornal virou de oposição, e assim foi até o fim da ditadura. Foi um dos últimos jornais a ficar sob censura prévia permanente. Apesar disto, para mim, jamais foi um jornal confiável. Hélio Fernandes nos seus últimos anos de vida escrevia diariamente no Facebook, e, para minha surpresa, com muita lucidez. O Brasil nunca será para os cartesianos. https://atlas.fgv.br/verbete/6390
A Manchete era a revista mais “sem conteúdo” do meu tempo. Comparado com a Caras, a Manchete vira uma Enciclopédia Britânica. Foi na Manchete que eu vi pela primeira vez uma foto dos Sex Pistols. A história da revista e da rede está no ótimo livro de Arnaldo Bloch:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2012200813.htm
O site da ONG Uma Gota do Oceano:
O instagram da Revista Zé Pereira:
https://www.instagram.com/revistazep/
A “Zé Pereira” nasceu em 2007 e durou quatro felizes números de periodicidade errante. Conhecida como a “Piauí dos pobres” tinha viés popular, mas não popularesco. A ideia de seus lunáticos criadores era preencher um vácuo editorial: na época, o Rio de Janeiro tinha três revistas dedicadas às classes A e B, idênticas em forma e conteúdo, com os mesmos personagens se revezando entre elas, e duas às C e D, também gêmeas, que apostavam que para o povão só interessava mulher gostosa, fofoca, novela e os gêneros musicais dominantes. Apesar de custar apenas R$ 2,00 (dois reais) e de suas nobres intenções, fracassou miseravelmente. Sua Era de Ouro acabou sendo na internet, em forma de site/blog. Mas aí chegaram as redes sociais e monopolizaram as atenções, como você bem o sabem. Hoje, sobrevive a duras penas aqui e no Instagram (https://www.instagram.com/revistazep), mas você pode baixar as versões impressas em PDF no link abaixo.
https://drive.google.com/…/1aELzWKq7pJNzn62_08…
Nunca li o Thomas Pynchon. Acho que tá na hora:
https://www.bpp.pr.gov.br/Candido/Pagina/Retrato-de-um-artista-Thomas-Pynchon
“Zero” de Ignácio de Loyola Brandão eu li, tá na hora de reler. É obrigatório. John dos Passos, nunca li, também tá na hora. E Kurt Vonnegut, eu leio e releio, inclusive algumas traduções são da gloriosa Cássia Zanon, conselheira e orientadora de primeira hora da Corda Bamba.
O Rio de Jano, que teve a co-direção de Anna Azevedo e Renata Baldi
Qual um moderno Debret, o quadrinista e ilustrador francês Jano esteve no Rio de Janeiro em 2000 para fazer um álbum de desenhos sobre a cidade. Este documentário acompanha suas aventuras e o seu processo de criação.
bola para seu danau:
três no tri:
vale muito ver os teasers que zé josé fez para o seu livro:
um episódio de tv claraminholas:
e um bife com tutu pra encerrar:

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