na corda bamba e a pedra da loucura

“A realidade é dura, mas ainda é o único lugar onde podemos comer um bom bife”. Woody Allen

A Pedra da Loucura apareceu na minha frente e eu não tive escolha a não ser pegar o pequeno livro do chileno Benjamin Labatut, para mim até anteontem um ilustre desconhecido. Benjamin usa a ciência e a literatura para tentar explicar o caos e a loucura. Começa contando como o escritor americano Lovecraft percebeu na metade dos anos 20 que um novo tipo de horror, muito mais poderoso e assustador estava surgindo nos céus. Um horror que jogaria todo mundo na beira do abismo e neste abismo a razão seria a primeira a despencar lá do alto. Lovecraft não era exatamente um cara bala desejo namastê. Era pessimista, conservador e racista. (isto não está no livrinho do chileno). Mas percebeu que o lado negro da força tava chegando dicumforça na área para ficar. Apenas dois anos depois da publicação do conto apocalíptico de Lovecraft, o alemão David Hilbert, considerado um dos maiores matemáticos do século XX (muito prazer, também até anteontem nunca nem tchans) fez seu discurso de aposentadoria. Hilbert já tinha percebido que mesmo na matemática, os conceitos de infinito e de espaço já não cabiam mais no modelo euclidiano (baideuei, eu sou um analfabeto matemático). “Múltiplas escolas, com pontos de vista muito distintos tentaram confiscar o coração da matemática”. Enquanto uma turma tentava se jogar no universo paralelo, Hilbert tentava manter a lógica dentro do seu quadrado. O final de seu discurso ficou famoso. Defendeu que para a ciência não existe problema que não possa ser resolvido. “Precisamos saber! Nós saberemos!” A frase tá na lápide dele, que morreu em 1943 e não escapou de ver seu Instituto de Matemática ser totalmente esvaziado com a expulsão ou prisão e assassinato de boa parte de seus colegas. O livro segue para o terceiro exemplo: a palestra que Philip K.Dick fez em 1977 na cidade de Metz, na França. “Se você acha este mundo ruim, deveria ver algum dos outros” foi o título da charla onde falou da tensão entre alucinação e realidade, da existência de mundos paralelos e para mim, o mais assustador de tudo, o conceito de “bloco de tempo”, criado por Einstein, “em que todos os instantes são atuais, onde não há um passado no qual se apoiar e nenhum futuro para conquistar, apenas um presente sem fim.”

Partindo destes 3 exemplos, Benjamin Labatut conta como os chilenos, depois de quase 30 anos de liberalismo no lombo foram para as ruas em 2019, num protesto desordenado, caótico, onde todos tinham uma palavra de ordem particular e quase nada que os unissem, a não ser a raiva, o ódio e o desgosto. Vimos este filme por aqui em 2013. A explosão chilena, apesar da confusão, expulsou os liberais do comando. Aqui, trouxe eles pro comando total.

o povo desunido jamais será vencido

Dos protestos no Chile, das eleições de “lunáticos”, das teorias que conseguem provar um conceito e de outras que conseguem “desprovar” este mesmo conceito; da maluca que diz que muitos livros publicados são livros que ela escreveu e que estão agora sendo plagiados por editores que se utilizam de inteligência artificial; o pequeno quadro do Bosch “a extração da pedra da loucura”, as questões matemáticas e os conceitos abstratos de ordem e caos; a única coisa que me ocorre pensar é na sorte deste escritor em não viver no Brasil e provavelmente não saber o que é um grupo de tiozão do zap.

para focault o único louco da cena é o médico

Depois da pedra, a dívida. Nas dicas da Piauí, o livro Dívida, os primeiros 5 mil anos, do antropólogo anarquista americano David Graeber, que defende que o sistema financeiro deve simplesmente passar uma borracha e perdoar todas as dívidas de todo mundo. “Não só porque aliviaria muito o sofrimento humano, mas também porque seria um modo de nos lembrarmos de que o dinheiro não é algo inefável, que pagar as próprias dívidas não é a essência da moral, que todas essas coisas são acordos humanos”.

Alguém fora da casinha, no caos, na loucura, mesmo que só com uma pedrinha de loucurinha era Abobado da enchente, uma expressão bem comum em Porto Alegre nos anos 70. Cansei de ouvir e de falar e foi impossível não lembrar dela nas últimas semanas. Descobri que ela surgiu com a enchente de 41: o abobado da enchente era aquele que ficava parado sem reação nenhuma enquanto a água subia e alagava tudo.

O Rio Grande tem um abobado da enchente estadual, o governador. E um abobado da enchente municipal, o prefeito de Porto Alegre. Tem um mini-exército de abobados da enchente no interior (prefeitos e deputados estaduais negacionistas) e um timinho de abobados da enchente no congresso em Brasília. Em comum a todos eles, além de serem membros da internacional dos abobados da enchente:

-todos são negacionistas climáticos

-todos não levaram em conta os avisos de técnicos, cientistas e até de são pedro, nas chuvas de 2023.

-todos atendem aos mesmos senhores: o mercado financeiro e o agronegócio.

-todos defendem o estado mínimo.

-todos apoiaram em maior ou menor grau, o miliciano do condomínio vivendas.

-todos se cercaram sempre de negacionistas nas áreas de saúde (o prefeito de porto alegre é tchutchuca do osmar terra, aquele que dizia que a pandemia ia acabar amanhã e que remédio pra cavalo bastava), todos querem terceirizar a educação, o transporte público e delegar ao mercado a resolução de todos os problemas do mundo. O prefeito véio véio já afirmou várias vezes que o problema da habitação na cidade é o mercado que resolve sozinho. é a prova suprema da abobadice pela inação. deixa pro mercado que ele resolve. É o lema de Hilbert, só que invertido: Precisamos vender. Nós privatizaremos!

-agora que deu ruim, todos negam tudo o que fizeram nos verões passados.

-agora que deu ruim, ao invés de baixar a bola e trabalhar, estão se articulando para não deixar o governo federal conquistar a opinião pública por estar trabalhando, por estar consertando a cagada gigantesca que os abobados fizeram.

-agora que deu ruim, querem meter a mão na grana que vai rolar pra reconstruir o estado e entregar esta grana para o mercado reconstruir. o véio velho contratou a consultoria não existe almoço grátis de uma empresa americana. aquela mesma onde o moro foi trabalhar depois que acabou o love dele com o chefe das milícias do vivendas.

-a nossa gloriosa grande imprensa já percebeu que não é hora de vacilação e em nome de sua magnífica isenção e de sua ilibada reputação, já tá fazendo uns cafunés no governador gaúcho.

enchente de 41

Enquanto o resto do mundo tenta sobreviver na terra, mesmo que debaixo d’água, enquanto 8 em cada dez brasileiros está endividado, uma pequena parcela de abobados vive no mundo paralelo e caótico descrito pelo chileno Labatut. Não por acaso, o vice-prefeito de Porto Alegre, é sócio da Brasil Paralelo, uma das maiores produtoras de conteúdo negacionista das redes. E para quem acha que é só implicância minha, foi esta mesma produtora que trouxe, junto com a Zero Hora (RBS, maior grupo de mídia do sul do Brasil) a estrela mor da nova direita, Jordan Peterson para soltar perdigotos em Porto Alegre. Para Jordan, feminismo é uma ofensa e o sofrimento dos negros e o privilégio branco é uma invenção marxista.

exu seja louvado,priscila rezende

Enquanto o resto do mundo tenta sobreviver na terra e os gaúchos debaixo d’água, Luciano Huck faz jantarzinho totoso em homenagem ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o desgraçado que submete os brasileiros à esta política recessiva que só favorece o mercado financeiro, para quem Roberto, na verdade, opera. Presente no regabofe, o lider do grupo vivendas no bandeirantistão, o governador negacionista Tarcísio atira primeiro e pergunta depois. O mercado já está se assanhando pro lado dele, já colocou um vestido de oncinha john deere, já chamou a stihl, a monsanto, o elon, o passa boiada, o tumelero, os coach não é gente, os influencers e aonde a vaca vai, o boi vai atrás, e atrás cheirando o rabo, juntinho coladinho no quentinho com o boi e com a vaca, os jornalões isentos de sempre e nos estúdios e nas redações já tem bigode sendo alisado, já tem Maria Antonieta, já tem descabelado e engravatado dizendo que o cara de cratera é um moderado sensato e responsável. No mundo paralelo e caótico que a natureza não criou, enquanto o gado muge, a gente se fode e se afoga. E os abobados da enchente nadam de braçada em suas lanchas.

A corda segue precisando de apoio, mas a gauchada de lá tá precisando mais ainda. Ajudem como puderem e quem não puder, pode mandar um vaffancullo pro prefeito de porto alegre, outro pro governador do rs, alguns pra bancada ruralista e um derradeiro pra mão invisível do mercado. e claro, por luciano, pro presidente do bc, pro governador, etc, etc…

pegue o seu vaffanculo e mande pro luciano, pro eduardo, pro sebastião…

Só fófis, sem preconceito.

A capa da corda de hoje é da espetacular Beá Meira, uma tapeçaria de 50 x 200 cm chamada Estrada Br 320, Trecho entre os rios Tapajós e Xingu, Florestas Abatidas e ela está na exposição A Carne de Gaia, na Pavão Cultural em Campinas

ps: soube nesta madrugada da partida do Toni Venturi, um gentleman e um incansável defensor do nosso cinema.

na playlist # 73 de na corda bamba:

Os caboclos do interior da Floresta Amazônica dizem que ele é um gigante terrível, coberto de pelos vermelhos e que tem um olho só. O olho fica na testa e a boca fica no umbigo. Seus gritos são horripilantes e ele vive faminto correndo pela floresta derrubando árvores e comendo tudo que encontra pela frente, inclusive gente. É o Mapinguari. O ornitólogo americano, David Oren, um bamba que dedicou sua vida pesquisando e catalogando pássaros no Pará e no Maranhão tentou durante 10 anos encontrar algum vestígio do bicho. Alguns cientistas acham que a lenda vem de alguma preguiça-gigante remanescente. Toda esta introdução encantada e científica é pra dizer que se depender do pianista Amaro Freitas, o Mapinguari tá mais pra preguiça tranquila do que pra predador alucinado. E a playlist # 73 de na corda bamba abre e fecha com ele pedindo um minuto de paz e eu, um prato pirex com um bife mal passado. Saravá!

amaro mergulhando na floresta

Depois da meditação, depois do bifinho sangrando na manteiga e dos pedidos pela paz mundial, seguimos em alta octanagem numa jogada com alto poderio bolebolístico, lesco-lesco, chupelê total, esfregação geral com o som da rapaziada do Bacao Rhythm & Steel Band, uma turma caribenha que veio da chucrutelândia germânica do porto de Hamburgo pra nos animar neste momento estranho, tenso e triste pra caralho. Logo depois, Jacques Dutronc, cantor francês com ótimo nome para ator pornô, o sortudo marido de Francoise Hardy, o pop baguete céma céma céma, émoá, émoá, émoá, yéh-yéh-yéh, emá emá emá, quelqu’ un avec ses problemááss.

une braise vit

Autoramas caindo pra descansar no Hotel Cervantes e Ortinho lá em Recife acordando com saudade do mundo, com vontade de dar uma volta ao redor de tudo, então vamos pro Caribe de verdade com miss Grace Jones piazzollando, eu escrevi piazzollando não pizzaiolando que ele não é paulista é argentino e ela é jamaicana, prestem atenção, miss Grace Jones numa versão para Libertango. Subindo um pouco mais no mapa com o inglês do Quantic brincando em Jalisco, duas seguidas do disco com a soul cachopa inglesa Alice Russel. Una Tarde en Mariquita e Travelling Song. Irresistível. Fica a dica: depois ouçam o disco todo. Vale.

corra pra esquina e ouça o disco no pub

Luis Wagner numa chula louca não quer nem saber, perdeu a fé, perdeu a esperança de ver você brincando, sorrindo, vivendo comigo. Acontece. Esquece porque acontece. Jorge Ben, Jorge Benjor, Dead Prez e mais uma monte de gente na homenagem do Red Hot ao Fela “Riot” Kuti e depois o balanciado do João do Pifi.

simples como uma chula louca

Muda o giro. Mercedes Sosa canta pampa del sur e quem tiver a manha, vai perceber que é uma beleza só. Muda o giro. Dom Um Romão fica mal com deus mas não fica mal com o balanço. Segue o giro. Luiz Melodia negro gato porque estamos todos precisando de sete vidas.

cantata linda

Muda o giro e ele gira no lamurio lamento da primeira dama da umbigada paulista Dona Anicide na cachaça que matou e não foi papai do céu que levou.

primeira dama da umbigada

Segue o giro. Maurício Pereira, colado na caipirice caipora de não me incommodity. Coloquei a letra aqui em baixo pra vocês cantarem junto:

Imagina
no fundo do fundo de um monte de soja
de mil toneladas, no fundo do fundo
um singelo segredo, uma simples miragem
o porão do navio, outra parte do mundo

imagina
uma coisa com peso de pluma
num canto perdido dum trem de minério
um acaso, uma história, lógica alguma
um brinquedo quebrado
um pequeno mistério

imagina
que entre os milhões de barris de petróleo
estocados no Iraque, Istambul ou Vitória
esteja lá invisível, miúda, esquecida
uma mínima imagem de nossa senhora

imagina
que agora agorinha lá em Hong Kong
tem um estivador que num clique, um rompante
e sem ter a menor explicação do motivo
mete a mão numa lata de fertilizante

imagina
Nigéria, Dubai ou Osaka
o obreiro recolhe na mão a santinha
que estranha energia essa imagem carrega
amuleto, chaveiro, lembrança, mandinga

imagina
você tá vendo televisão
navegando invisível pela economia
pro jornal a notícia tá ali numa foto
essa mínima imagem da ave maria

imagina
você tá de frente pra a imagem
e se entrega pra ela com adoração
de repente a figura sagrada te chama
“a commodity é a santa, o sagrado é o feijão”

não se incommodity
varejo, granel
não me incommodity
o inferno e o céu
não se incommodity
desejo, pastel
não me incommodity
garganta e pincel

nao se incommodity
passagem e hotel
nao me incommodity
babuska e babel
não se incommodity
muito bem, very well
não me incommodity
vou passar o chapéu

Na volta, Esperanza Spalding e Milton Nascimento no disco que eu quero ouvir do começo ao fim. Kevin Morby prepara o terreno pra Mick Jaegger na trilha do filme Performance, udigrudi de primeira hora, seguido por Roxy Music porque enquanto eu estiver por aqui vai rolar Roxy Music quase sempre. E pilantragens bacanudas como La Araña, com Kid Congo e os Pink Money Birds que voam desendereçados com a banda Moriah Plaza e a vida vai passando com Raquel Dimantas e curta a vida e o pop absolutamente pop de Tabitha Meeks e como o pop pode ser chiclete, previsível e bom de ouvir. Como o Japan de 1978.

esperanza sem fim com milton e o disco que não ouvi e já gostei

Dua Lipa saindo à francesa no disco novo, Billie Eilish chegando pra almoçar no disco novo, Trent Reznor com Atticus Ross na trilha do filme Challengers e de Manaus vem o trio D’água Negra, música com cara de ontem e com cara de hoje e nesta corda tem só uma palhinha papo aranha tal qual uma dobradiça gemente que quanto mais óleo coloca mais geme no meio da louça suja.

pós tudo na mesa e no sofá

O piano brasileiríssimo de Dom Salvador antes do Kamasi Washington chegar na oração pra nossa senhora do jazz contemporâneo e logo despues A tribe called quest porque todo mundo precisa have fun. Até o Beck, que deve ter curtido dar uma canja no disco novo das moças do Hinds. Elas cantam em inglês pero são movidas madrilenhas e esta edição da corda tá cheia de gente de lá se fazendo de cá e de gente dali se passando por lá até se encontrar cruzando o deserto onde o tuareg do Níger Mdou Moctar faz muito barulho. Adelante com João Ricardo e os Secos & Molhados, com os gajos do Duques do Precariado e uma sessão bluesblusblaublau com os Small Faces, The Lemon Twigs, Irmão Vitor e Mark Lanegan.

dom salvador firme nas quebradas

O baixo alucinante de Dave Holland acompanhado de seu quinteto. O bis baba blind coffee com as moças do Hinds, o bis de Trent Reznor com Atticus Ross, duas seguidas da Red Hot Org, primeiro com Kronos Quartet e Laurie Anderson, depois Sade Adu e Cottonbelly, o bis de Quantic e Alice Russel, uma palha do que era considerado apocalíptico nos anos 80 com o Wang Chung e a gente faz a curva com Chic porque Chic é felicidade garantida ou seu dinheiro de volta, e a gente chega na reta final novamente com o steel band alemon do Bacao, e a gente deixa o disco novo de João Bosco deixa a gira girar e Amaro Freitas fecha a parada porque na corda quem abre, sempre fecha.

chic é felicidade garantida

LIKS! LINKS ! E MAIS LINKS!

sobre labatut:

https://brasil.elpais.com/cultura/2021-10-10/o-chileno-benjamin-labatut-novo-fenomeno-editorial-da-america-latina.html

mais sobre labatut na quatro cinco um.

philip k.dick em metz, pra quem tem paciência e manja o idioma. eu nem me atrevo.

tá devendo? vai na biblioteca e leia:

dupont e dutronc

perfomance: um filme sobe loucura e sanidade.sobre fantasia e realidade, sobre vida e morte.

sexo adolescente new wave

movida pop

o trailer de Rita Cadillac, a Lady do Povo, de Toni Venturi

Pereio se foi também. No link, um dos meus filmes preferidos, não só dele, de todo o cinema brasileiro, O Bom Marido, do gênio Antonio Calmon:

Silvio Luiz. Todo mundo lembrando dos bordões, mas eu gostava mesmo quando ele cantarolava tangos e boleros no meio da jogada. E também quando se referia à algum jogador baixinho, mas eficiente, de qualquer país vizinho, como “pequetito, pero cumpridor”.

a playlist: