Já fui pantera, já fui hippie, beatnik, tinha o símbolo da paz pendurado no pescoço porque nego disse a mim que era o caminho da salvação. Já fui católico, budista, protestante, tenho livros na estante, todos tem explicação. Mas não achei! Eu procurei!

seixas, raul

Depois de tudo isto, de tanta procura, tanta busca, trabalheira dos infernos, muita cerveja, muita leitura, muito tempo gasto on the road, kerouac, simenon, stendhal, porcos com asas, morangos mofados, castaneda, hermann hesse, walt whitman (do you like walt whitman? perguntou o roberto benigni pro tom waits, yes, i like walt whitman very much, ele mesmo respondeu em down by law) o john fante, omar khayyam, poe, cortazar, oswald, eça, bolaño, mochilão, revolução, godard, orson welles, libelu, yoga, tantra, tecno, índia, berlim, curdistão, depois de tudo isto, quem diria, ai de mim, fui parar no linkedin, sai deste corpo que não te pertence, mas os teus conhecidos estão todos lá, o cartunista de cabelo descolorido, o documentarista premiado, a roteirista disputada e o produtor da série turbinada, sai deste corpo que não te pertence, em 73 chico buarque fez com ruy guerra, calabar, o elogio da traição peça, que foi toda censurada, proibida de cabo a rabo, o general durindana não liberou e também proibiu os jornais de noticiarem a proibição. é proibido porque o general não gosta. e é proibido contar que foi proibido porque o general era o general bandeira que foi golpista de primeira hora em 64, atuou na repressão à guerrilha do araguaia e foi acusado de comandar torturas no comando militar do planalto. durou muito, pois só morreu em 2003. sai deste corpo que não te pertence o disco do chico saiu depois como chico canta…he, he, lerê lerê. vence na vida quem diz sim, uma das músicas, foi liberada e cantada alguns anos depois, na abertura lenta e gradual que é o andamento preferido da nação. calabar é tipo uma capitu da invasão holandesa, uns dizem que é traidor, outro que é um herói e há até quem diga hoje, que ele foi um dos primeiros liberais empreendedores desta terra de vera cruz do bananal onde só o desmatamento não é lento nem gradual. hum…os dias de hoje são estranhos, sei não, por via das dúvidas, liberal empreendedor é uma coisa sai deste corpo que não te pertence. chico buarque abre e fecha esta edição banho de descarrego 106 de na corda bamba, com a arrepiante, abundante e sacolejante playlist 75. Saravá

Márcio Pinheiro acabou de lançar um livro sobre a censura e a perseguição à Chico Buarque durante a ditadura militar. De cada quatro músicas, três eram censuradas. Logo depois de Calabar, ele fez um disco cantando músicas de outros compositores (Sinal Fechado) e com duas de um tal de Julinho de Adelaide.

Tom Cardoso também acabou de lançar Trocando em Miúdos, Seis Vezes Chico, uma biografia de Chico Buarque. Tom Cardoso e Márcio Pinheiro já trataram antes das mesmas searas. Márcio fez um livro sobre o Pasquim e Tom uma biografia bacanuda de Tarso de Castro, que eu acabei de ler.

O livro sobre o Tarso é daqueles que a gente começa e só desgruda quando acaba. Tarso fazia algo que anda em falta no mercado: jornalismo sem bundamolice. Era jornalista. E era cachaceiro. Mesmo que a gente não se deixe levar pela lábia do Tarso (e do Tom) mesmo sem idealizar e romantizar o personagem, é impossível não se admirar. Tarso fundou diversos jornais e deu um sacode em outros tantos. Ficava à vontade com o Abramo e com o Frias, era amigo do Chico e do pai do Chico, do Brizola e do Darcy, do Caetano, do João Ubaldo e do Glauber. Bebia em Ipanema mas também tratava de se sentir em casa nos botecos do Ipiranga quando era preciso. Tarso não media as palavras e mandava na lata, sem sapatenismo, sem barba feita no meio sensato do muro sai deste corpo que não te pertence e Tarso era de esquerda, claro, mas não tinha saco pras chatices do esquerdismo, tampouco aturava a cretinice da direita e é uma pena ele não estar mais por aqui. O que será que ele escreveria sobre figuras como o ex-Gabeira, por exemplo? sai deste corpo que não te pertence, a classe média letrada brasileira sofre de uma síndrome de estocolmo jornalística e a corda bamba lança uma nova sessão olho no lance, olho no pig, guardando pra futuros contemporizadores toalha xadrezinha que nunca esqueceremos a merda que vocês publicaram no verão e na semana passada. no caso do jornal da barão de limeira, não adianta chongas trocar de ombudsman se o jornal continua sendo editado por bundões. sai deste corpo que não te pertence.

sem perder a ternura jamais.

manchetinha escrota pra caralho da semana:

sem perder a ternura jamais

sai deste corpo que não te pertence

Em 1977 Elis Regina cantava

À espera de algum descuido
E com cuidado gozamos paz
Somos homens bons demais
Sufocados pelo mal

Só queremos acreditar
Que isso tudo
Pode acabar

Todo mundo tava literalmente de saco cheio dos militares. Em 86, quando mudei pro Rio, comprava de vez em quando O Nacional, o jornal que o Tarso fez com o dinheiro do Brizola. Pena que não durou e pena que com 21 eu era muito verde e não estava inserido no contexto, o que quer dizer, resumindo, trocando em miúdos, que eu não tinha bola pra entender metade do que lia no Nacional.

Iggy Pop no outro lado do rio já tinha descido a rua flutuando cabisbaixo e visualizando coisas bonitas, no wall! no wall!

Ítallo é um espanto!

Venho notado nas caras das pessoas
um ar de tristeza presente em minha geração
eu mesmo não resolvi uma história
com uma pessoa a quem me deu a mão
E me falam que eu devo continuar fazendo música
o que sempre amei, compor e dividir canção
mas dentro dessa cidade estranha
junto a moeda pra comida e pra completar a condução
Impera em mim um certo ar de vaidade besta
como se alguma coisa fosse ser compositor
eu vou contando a história como ela é
um pouco diferente da arte de um ator
Me divido entre ambições mesquinhas
como ter uma casa igual àquele bacharel
pensar num mundo pros meus filhos
ser chamado de Dr. Manoel
E uma certa nostalgia da velhice
repetindo certos movimentos de meu pai
Renata, amiga, tu ostentas a lamparina
no intervalo da minha fala, da minha queixa
Não vejo o mundo só sob a ótica marxista
mas compreendo o mundo e as lutas sociais
observo a vida dos trabalhadores
do Brasil profundo, para além dos litorais
Observo também o poder comovente da coragem alheia
o vigor das almas que discursam num plenário
também as moças que fazem programa
que tomam caldo de cana no primeiro horário
Percebo o humano e a sua ambiguidade
não gosto apenas de falar de amor
mas do bruto, mortal, puro, sério e selvagem
impulso, perversão, ira, paixão e rancor
Mas como eu dizia eu venho notado
um ar de tristeza presente e frequente em minha geração
mas ao menos aqui nessa história
a vida se resolve na canção

E de outro modo, Lauiz, também é um espanto:

baby faz frio, eu não sou louco, você tem que me esquentar um pouco baby me bota dentro do microondas, uau uau, vamos girar, eu não preciso de encontrar, gira gira, alucinar, as moléculas transformar…

a descoberta da semana:

Pokey Lafarge é uma figuraça. Ele já está na estrada desde 2012, com seu som calcado num passado estados unidos em depressão, crise da bolsa, vagabundos na estrada, trens vagando cheios de clandestinos, bares clandestinos, e certamente por isto, ele foi parar na trilha de Boardwalk Empire. Seu disco novo, Rhumba Country, segundo suas próprias palavras é um remédio para a alma. Eu lavei a minha.

skeewiff é uma dupla de ingleses, produtores, dejotas, donos de selo especializado em dar uma guaribada em grandes rifes e balacos dançantes do passado, como wack wack, do young holt trio. fort knox five é um grupo de washington, aqui em brazilian hipster eles levam um groove balaquinho com refrão o pato. the jimmy castor bunch é balaco de primeira, com baixo de primeira e suíngue, cozinha, tudo nos conformes pra levantar defunto, newen afrobeat já rolou por aqui, é um surpreendente grupo chileno de afrobeat, nesta faixa, acompanhados pelo chico césar. depois chegam duas entidades que são sinônimos de felicidade, fica neste corpo que isto te pertence: the specials e tom tom club.

ifá é o orixá da adivinhação e do destino. ifá é a quem se recorre quando se quer saber, por exemplo, qual é o seu orixá. ifá é também um grupo de salvador, i de ijejá, f de funk e a de afrobeat e pesquisando sobre eles eu achei outra parada que joga tudo pra outro caminho: uma tese chamada ifá um sistema binário de divinação, que coloca orixás e matemática no mesmo campo do saber. ann peebles não teve o sucesso que deveria ter. seus discos são da pesada e acho que em alguns deles, os arranjos e os músicos são os mesmos de al green, que sofria de amores, virou pastor, desvirou, e hoje não sei pra quem anda rezando, mas quando grava continua foda e manda pra longe todos os corpos que não te pertencem, na casa do senhor rola sonic youth, chico science & nação zumbi, rola uma dupla boliviana-brasileira-americana ibelisse guardia ferraguti e frank rosaly, rola uma dupla indie francesa papooz, que canta inglês e não é chata como a maioria das bandas da parada indie e o bonde não sai dos trilhos com os buzzcocks, com o quicksilver messenger service e com y la bamba uma banda meio méxico, meio eua, banda indie, pero no mala sin alza, nara couto e mateus aleluia é puro interior, indomável, difícil de entender. eda diaz é colombiana, é francesa, é baixista e faz música bonita e pra seguir nas latinidades tex mex, tim buckley e a lua de tijuana, seguido por seu filho jeff buckley e pela tijuana fusion do nortec: bostich + fussible.

mighty sparrow é o rei do calipso e do carnaval de trinidad tobago. assim como o tarso de castro, ele também não leva desaforo pra casa e não fica de lero lero lustrando as almas sebosas que andam soltas por aí. sparrow segue firme e forte na paçoca e quando aparece uma assombração ele grita com aquele sotaque caribenho: Get out of this body that doesn’t belong to you!

por falar em assombração e em alma sebosa, o prefeito de porto alegre, tião medonho, também conhecido como véio véio resolveu fazer um balanço de seu batiscafo municipal. foi para o instituto ling falar para uma plateia composta quase que inteiramente de empresários (seus patrões, a quem deve satisfação e provavelmente a única verdade em sua alma sem luz é que ele não esconde isto). associações de moradores? técnicos? cientistas? especialistas? lideranças comunitárias? sociedade civil? necas. fosse tião medonho um administrador japônico, hara kiri já teria cometido, mas o véio véio não só é brasilônico, como é do mdb. portanto, em sua charla, ele negou todas as acusações de negligência, negou os técnicos e a ciência e culpou…culpou, culpou quem arnaldo? o Lula e o governo federal, por supuesto. de minha parte, torço para que os portoalegrenses em novembro, quando verem a carranca do cramulhão negacionista na maquinha gritem sai deste corpo e deste cargo que não te pertence!

Remédio vacina proteção amuleto mandinga contra almas sebosas: voto e música boa. Sem contingenciamento. Sem miserê, só no filé: rita lee, ray charles, hermeto pascoal, martina topley-bird & mark lanegan, bis de pokey lafarge, os mutantes, bruno berle, supertramp, mais méxico com el chicano, mais bossa com joão gilberto e stan getz, mais groove com isaac hayes e mais romance com guinther e irmão victor.

o diabo roubou minha alma, canta um cara chamado son of dave bem acompanhado da martina topley-bird, a outra descoberta da semana.

a outra descoberta da semana:

Na curva dos 50 metros, booker t & the m.g’s, mauricio pereira, gaby moreno y la lom, fagner e nara leão, kool & the gang, bootsy collins & george benson, durand jones & the indications, peri dos santos com chet baker (quem tiver mais informações sobre o peri, mande) e chico buarque em as caravanas, de um tempo que não precisa mais de censura, mas precisa de dar umas bifas nos abestados dos grupos fake do zap.

chico abre, chico fecha a corda.

pra quem é do bem, um beijo e um abraço apertado.

pra quem é do cramulhão, um foda-se e um sai deste corpo que não te pertence.

sem perder a ternura jamais.

assinem na corda bamba. não precisa mandinga nem tampouco reza forte. é só apertar nos botões vermelhos lá de baixo ou fazer um pix de qualquer valor para a chave fabpmaciel@gmail.com

a imagem da capa de hoje é de um sujeito chamado mauritis cornelis, mais conhecido com escher, um sujeito dono de uma técnica extraordinária e que lidava com o duplo, com o espelho, com a ilusão e que brincava de 3D usando apenas lápis, borracha e uma folha de papel.

links! links! e mais links!

do you like walt whitman?

https://clip.cafe/down-by-law-1986/you-like-walt-whitman/

sobre calabar:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Domingos_Fernandes_Calabar

julinho de adelaide canta:

o livro do márcio, mais uma vez por aqui:

y la bamba no tiny desk:

nara couto e mateus aleluia:

eda diaz:

martina e mark

ifá, o sistema binário de divinação:

provavelmente um dos melhores começos de filme de todos os tempos. gostou? então larga este copo e me dá um beijo.

na playlist # 75

chico buarque vence na vida quem diz sim (instrumental) # nara leão e chico buarque vence na vida quem diz sim # elis regina colagem # the stooges down on the street # ítallo dr.manoel # lauiz baby me bota dentro do microondas # pokey lafarge one you, one me #skeewiff wack wack # fort knox five brazilian hipster # the jimmy castor bunch it’s just begun # newen afrobeat e chico césar es la vida #the specials ghost town # tom tom club pleasure of love # ifá menelik # ann peebles i’m gonna tear your playhouse down # sonic youth the burning # chico science & nação zumbi a praieira # ibelisse guardia ferraguti e frank rosaly turbulência # papooz too young # buzzcocks why can’t i touch it? # quicksilver messenger service pride of man # y la bamba dibujos de mi alma # nara couto e mateus aleluia filho de rei # eda diaz nenita # tim buckley tijuana moon # jeff buckley grace # nortec: bostich + fussible tijuana bass # mighty sparrow no, doctor, no (the situation in trinidad) # rita lee maria mole # ray charles hey mister # hermeto pascoal pra você, ilza # martina topley-bird & mark lanegan crystalised # pokey lafarge run run run # os mutantes fuga n3 # bruno berle te amar eterno # supertramp rudy # el chicano the look of love # joão gilberto e stan getz vivo sonhando # isaac hayes do your thing # guinther com irmão victor zênite # son of dave e martina topley-bird, devil take my soul # maurício pereira modão de pinheiros # gaby moreno y la lom alma florecida # fagner e nara leão você # kool & the gang hollywood swinging # bootsy collins & george benson the power of the one # durand jones & the indications is it any wonder? # peri dos santos com chet baker kabula # chico buarque as caravanas

e a playlist!