na corda bamba 154 e o teatro da memória

Tenho poucos leitores e entre estes poucos, alguns abnegados, como o Lucio Agra, um petropolitano que virou tijucano, depois paulistano, soteropolitano e finalmente um homem do recôncavo baiano. Depois de ler a última corda ele me escreveu. Começou com gentilezas sobre a foto da capa: É meio chinelão dizer que parece Rubem Valentim, mas é sempre um objeto curioso. Inspirado pelo Nada Supera a Vida Real, ele me contou de uma bagunça extratosférica (de extrato mesmo, não o de tomate do jotalhão, mas do saldo do bestalhão), de um valor que saiu da conta para aplicação sem que ele tenha pedido e aí ele ligou pro banco e ninguém sabia lhufas e era noite de sexta e a ouvidoria já estava com os ouvidos no travesseiro, quem sifódi na sexta depois do expediente só resolve na segunda, salvo roubo, extorsão, sequestro e bafo quente na nuca… e o gerente também não responde e até o Agra descobrir que ele podia resgatar o baú da felicidade, ele já tinha entrado em modo alfa de paranóia e mistificação, porque já não lembrava mais se tinha aplicado no fundo ou se tinha levado no fundo e o fantasma do alzheimer batendo forte no forévis como a letra daquele samba que a gente nunca consegue lembrar e só abre a boca na roda pra fingir que tá cantando junto.

o elefante mais amado do brasil não aplica em cdb e não paga iof. mas tem uma memória de elefante.

Dona Cármina, minha mãe está com alzheimer há algum tempo. A memória recente foi pro brejo e qualquer charla com ela significa que a mesma frase será feita, refeita e rarefeita algumas vezes e isto não me incomoda mais – no começo me perturbava muito- hoje repito e repito pacientemente e sigo em conversas que, para minha sorte, são sempre animadas.

o labirinto da memória

Mas volto pro medo do meu amigo Lucio e de sua perplexidade com a chinelagem do mundo real oficial: É foda cara! A gente tá constantemente, e você tentou aludir, mas eu sei que você não chegou à tempo, ao absurdo dos absurdos que é esta licença ambiental que nunca passou durante todo o governo b e agora passa nas barbas do próprio governo…E eu estou vivendo vários absurdos cotidianamente. Acho que a gente está numa época cosmológica de exaltação do absurdo. Vai ver é porque eu andei falando de Qorpo Santo na aula passada, sei lá…Estamos num loop absurdista.

qorpo santo já fazia teatro do absurdis

Qorpo Santo foi um dos meus heróis de adolescência. Em 2016 Geraldo Alagoinha me mostrou o que restava do hospício onde ele ficou internado na Urca, no Rio. Lucio novamente: Esse assunto de memória nunca me motivou muito, até que em 1994, começando meu doutorado lá na Comunicação e Semiótica, eu fui ter aula com a Jerusa Pires Ferreira, uma baiana de Feira de Santana que viria a se tornar uma grande amiga e de quem sempre eu tenho muita saudade. E o assunto memória começou a entrar em cena. Pra você ter uma ideia da sofisticação do curso, a gente estudou a obra de uma mulher chamada Frances Yates, que fez uma espécie de história da memória. E com o teatro de Giulio Camillo, que na transição da Idade Média pro Renascimento criou o Teatro da Memória. E isso gerou depois um livro fantástico da Jerusa, Armadilhas da Memória. (Pra quem não leu, ou pra quem leu mas já esqueceu, na corda passada chamei na chincha o xexelento filme institucional Todos Nós Atados do governador do RS, que começa com uma citação do Waly SalomãoA Memória é uma ilha de edição). Foi mais ou menos nessa época, anos 90, que o Waly repetia em todos os vídeos dele essa frase, porque ele tinha sacado que ela fazia sentido. Eu e Rosane, gostávamos muito desta frase, que repetíamos muitas vezes nas nossas aulas. O que me apavora é que talvez a gente tenha sido professor de alguns destes imbecis, que depois levam isto pra alguma campanha política, porque isto pode acontecer, já que o nível de distorção das coisas boas em coisas ruins parece endêmico hoje em dia no mundo. É isto.

o teatro da memória do giulio

Sempre que mexemos em algum vespeiro, mais melado aparece. Outro amigo, o bamba Márcio Pinheiro publicou o seguinte texto no seu instagram. Aviso logo os amigos, a história é cascuda: A memória como capacidade de armazenar e recuperar informações é ao mesmo tempo uma bênção e um castigo. Tão intangível e tão pouco compreendida, a memória tem seus desígnios próprios. O que determina que tal fato possa ser armazenado no cérebro? E pior: por que outros fatos não podem ser esquecidos? Memória é o que nos prende e nos liga ao passado – para o bem ou para o mal. Mas pior do que ter memória, até para guardar eventos que mereceriam o esquecimento, é perder a memória. Com o guitarrista Pat Martino – morto em 1º de novembro de 2021, aos 77 anos – ocorreu isso. Mais de 40 anos antes, quando estava com 36, Martino precisou passar por uma cirurgia por causa de um aneurisma cerebral grave. A intenção era remover um emaranhado de veias e artérias malformadas, o que talvez explicasse porque ele sofria de ataques epilépticos, enxaquecas e, óbvio, depressão. A operação foi bem-sucedida, em termos.  Nunca ninguém imaginou – nem ele nem os médicos – que tudo isso poderia desembocar numa amnésia profunda. Martino escapou da morte, mas ficou sem memória. Tudo se apagou. Martino perdeu não apenas todos os vínculos que mantinha com amigos e parentes como perdeu também a capacidade de exercer seu ofício. A única maneira de reverter seria começar da estaca zero, aprender tudo de novo. E foi o que Martino fez. O primeiro desafio era evitar a depressão. Confiar naquilo que amigos e familiares lhe diziam. O cérebro é uma coisa engraçada”, disse o guitarrista Pat Martino em uma entrevista à Nautilus em 2015. “É parte do veículo, mas não é parte de para onde o veículo está indo. O veículo irá levá-lo até lá, mas não é você. “

Incrível não é mesmo? Acredite se quiser, ele recuperou, de memória ou por instinto, a habilidade de tocar sua guitarra.

No mais, foi uma semana pra esquecer, com tantas coisas que gostaria de não lembrar. Tenho memória seletiva e sei que no fim das contas, só resta caminhar pro cemitério em passo de elefantinho. Com molho de tomate! A foto da capa mostra um guri no metrô da praça da concórdia, eu acho, não lembro quando… E como os chamados dos credores no celular não me deixam esquecer das contas, quem puder apoiar a corda com qualquer valor, o pix é fabpmaciel@gmail.com

Paz! Saravá!

links! links! e mais links!

memória de elefante:

https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2023/01/01/por-que-dizemos-que-os-elefantes-tem-boa-memoria.htm

sobre Qorpo Santo na cult e para baixar no domínio público:

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action&co_autor=69

sobre Jerusa Pires Ferreira:

https://www.redalyc.org/journal/3996/399661475004/html/

sobre frances yates:

https://editoraunicamp.com.br/catalogo/?id=1245

sobre o teatro da memória:

pat martino:

na playlist # 125

roarrrrrr
semblanzas de colombia
semblanzas de colombia

as melhores músicas de ontem, de anteontem e de depois de amanhã.

iron butterfly, tubway army, can, noodzakelijk kwaad, asha puthli, bárbara eugênia, tim maia, jah wobble, raul cantizano, semblanzas del rio guapi, clayton barros e jorge du peixe, stereolab, the sorceres, jimi tenor, the jamaicans & tommy mccook, ezra furman, brian eno, deslocation dance, dolor de sombrero, franko xavier, artifical go, os pampa haoles, spaceheads, bike e barba negra, the spectre collective, hifiklub, the human league, afro hooligans, o terço, vale hermético, gang 90 e absurdetes, quintron & miss pussycat, tagua tagua, skowa e a máfia, erasmo carlos e gilberto gil, malcolm mclaren, marilina bertoldi, franklin gothic, katzroar, smerz, oruã, big long sun, autoramas, pat martino, column258, honny & the bees band, steve reich.

tributo aos replicantes

e a playlist # 125!