na corda bamba edição especial pra hermeto e tenório jr.

Pra quem cresceu aqui na pátria amada salve, salve na década de 70, a tv brasileira era diversão garantida. Em 1975 a Globo promoveu o Festival Abertura. A ideia era dar um sacode na música popular. Se ela estava precisando ou não, eu não fazia ideia. Eu gostava do que ouvia no rádio e do que via no Chacrinha. Mas o Abertura 75 foi diferente. Porque Luiz Melodia cantou Meu nome é ébano. Alceu Valença, com Zé Ramalho na banda, mandou o Vou danado pra catende. Teve o farófa-fá. Foi a primeira vez que vi-ouvi Clementina de Jesus e Djavan. Walter Franco foi de Muito Tudo e repetiu a chuva de vaias que tinha levado com Cabeça, 3 anos antes. Mas o que me deixou chapado mesmo, foi um velho cabeludo, albino, que subiu no palco com sua banda, cheio de instrumentos inusitados, bacias, latas, copos de iogurte, etc, e cantou A Festa do Porco, a do pega o porco, amarra o porco, pega, pega, pra matar. Não tenho certeza se tinham porcos no palco. Nunca mais esqueci daquele refrão, e claro, daquela figura: Hermeto Pascoal.

Em 78 rolou o Montreux-São Paulo, Festival de Jazz. Hermeto quebrou tudo. Nas coxias, babando, Chick Corea e John Mclaughlin. Estavam tão siderados que pediram pra tocar junto. Hermeto mandou esperar. Segurem aí, camaradinhas. Depois ele foi pra Montreux de verdade, na Suíça, tocou com a Elis e fez o disco que eu e meu primo Marcelo ouvíamos do começo ao fim. Assim como ouvimos muito o Slave Mass, o Zambum-bê-bum-á, Cérebro Magnético e o lp que ele lançou pela Som da Gente. Hermeto também era vinheta da Hora do Jazz, na Ipanema FM, e só os primeiros acordes já faziam a gente ficar no programa.

Vi um show dele no Araújo Viana. Depois outro, na Cultura Inglesa no Rio. No final, ele e banda saíram do palco, do teatro, desceram a Macedo Sobrinho no Humaitá e só pararam de tocar quando os vizinhos chamaram a polícia. Nos anos 90 fui ver um show na boate People. Tudo certo, lugar pequeno, mesinhas apertadas, eu amarradão, vendo Hermeto a menos de um metro de distância. A banda atacou e durante 15 minutos tudo foi sensacional. Mas Hermeto fez um sinal, mandou a banda parar e começou o discurso: Eu quero dizer que eu nunca mais piso nesta merda de lugar, que o som tá uma bosta, que tô me lixando que é casa de bacana, que é uma bosta, que é um desrespeito, e parari parará e que o dono deste lugar é um filho da puta, e parari e parará…e eu quero que ele vá tomar no cu e parari e parará. Pra quem já tinha visto alguns shows dele com mais de três horas de duração, aquele encerramento precoce foi chocante mas ao mesmo tempo compreensível. E, pra tirar onda aqui com a rapaziada, conto que num belo dia de verão, Rio 40 graus, fui na casa dele, em Bangu, filmar para a série Ação e Cidadania. Pois é, Hermeto nunca saiu da minha coleção de discos e de certa forma, nunca saiu da minha vida.

na casa do hermeto em bangu
jabourando

A minha geração chegou naquele ponto (chegou já tem um tempo, aliás), onde boa parte de nossos heróis está partindo. Toda semana velamos alguém e tem semanas que velamos alguns. Esta semana, finalmente, uma família no Rio de Janeiro vai poder velar seu morto mais ilustre. Integrantes da Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), uma organização científica independente que há mais de 40 anos investiga casos relacionados a desaparecimentos políticos ocorridos no país, confirmou que foi encontrado o corpo de Tenório Jr. morto na Argentina em 1976. Ele tinha 5 filhos, o quinto nem chegou a conhecer o pai, pois nasceu depois de seu desaparecimento. Em abril de 2024, na edição 98 da corda escrevi este texto:

No início dos anos 2000 comprei o cd de um conjunto chamado Os Cobras. O disco se chamava O LP, e tinha nomes com Paulo Moura e Milton Banana. Na primeira audição eu já fiquei siderado pelos solos de piano. Mais tarde, quando conheci o Orlandivo, fiz ele contar no Sambalanço, como um cara que não escrevia música conseguiu ter 4 composições em um disco só de bambas. Orlandivo era gênio. E foi ele que me contou a história da morte de Tenório Júnior, o pianista daquele disco. Num dia feliz em que eu estava gastando dinheiro na Tracks, o vendedor me perguntou se eu não queria ouvir um disco desconhecido de um pianista genial, chamado Tenório Júnior e que finalmente estava sendo relançado. Levei. Tenório tocava com Vinícius de Moraes, que fazia nos anos 70 muito sucesso no Uruguai e na Argentina. Os discos ao vivo destas temporadas também eram vendidos por aqui e alguns pipocavam lá em casa. Numa destas temporadas cisplatinas, os militares tinham dado um golpe na Argentina. Uma noite Tenório, que era amigo de Piazzolla e conhecia bem a cidade, saiu pra comer um sanduíche, foi preso por engano e torturado até a morte. O crime foi abafado lá e cá, afinal, os milicos estavam no comando em quase todo o continente e não pegava bem divulgar que milicos matavam e torturavam pianistas por engano. Fernando Trueba, cineasta por quem tenho profunda simpatia desde Belle Époque também ouviu Os Cobras. Também ficou louco com o piano de Tenório Jr. Mas ficou tão incomodado com a história de sua morte, que resolveu fazer um documentário sobre ele. Fez em animação, com Mariscal, outro craque, nos desenhos. Ontem assisti Atiraram no Pianista. É uma declaração de amor à nossa música. É a verdade sendo divulgada, contada, esclarecida. É o descanse em paz que foi negado pra família. O que fica do Brasil para o mundo é o que ele tem de melhor: sua música. Me mostre um gringo qualquer que tenha se apaixonado por algum milico que governou o Brasil. Militares servem para poucas coisas e governar ou comandar um país não é uma delas. Nunca foi e nunca será.

nildé ferreira mandou pra corda

Semana passada um evento com o padre Júlio Lancellotti que aconteceria na Universidade Regional de Blumenau foi cancelado devido a ameaças feitas por grupos neo-nazistas e outros istas da extrema direita barriga verde. O tema do evento era “Cidades inteligentes acolhem as pessoas em situação de rua”. Padre Júlio iria conhecer o projeto da cozinha comunitária Bom Pastor, no bairro Vila Nova. Padre Júlio ajuda a população de rua na cidade de São Paulo e apoia outras dezenas de projetos sociais. E talvez por isto, por ser um verdadeiro católico, um verdadeiro cristão, seja tão odiado pela cristandade conservadora brasileira.

Ainda na semana passada, um apresentador do canal Fox, a emissora da extrema direita maga patológika americana, sugeriu que a população de rua fosse exterminada com injeções letais.

E também na semana passada, um ativista da extrema direita americana foi assassinado por um rapaz branco, filho de policial e ligado ao Partido Republicano. A direita cristã brasileira, que ultimamente age como se Botucatu, Itajaí, Orlando e Salina, Kansas são no mesmo país, entrou em polvorosa. Antes de tudo, jogaram o busílis pra esquerda, teve gente até dizendo que foi o Lula que puxou o gatilho…

Todo mundo já sabia a ficha do falecido boneco trampista: defensor da livre circulação de armas, racista, misógino, anti-vacinas, negacionista e autor de pérolas como : empatia não é da natureza humana, empatia é discurso de woke e de esquerdista.

Em Porto Alegre, o escritor Peninha comemorou a morte do patológiko. A PUC cancelou um evento com ele. Para a direita brazuca vale tudo, mas a gente celebrar a partida de um escroto fascistóide é tão aviltante quanto vender a mãe e não entregar.

No biblionistão do norte, comandado por Tramp, também. O ninja Silvio Vasconcellos, traduziu esta notícia:

Karen Attiah,39, é um Escritora norte-americana, Comentarista e, por 11 anos, foi Editora em tempo integral da coluna “Opiniões Globais” do jornal The Washington Post. Após a notícia do assassinato de Charlie Kirk, ela reproduziu em sua conta pessoal no Blue Sky, um comentário feito pela própria vítima, tempos atrás:”Mulheres negras não têm o poder de processamento cerebral para serem levadas a sério. Elas tem que roubar o espaço de uma pessoa branca.” – Charlie Kirk A Editora reproduziu “ipsis litteris” a opinião do famoso provocador e racista declarado. Foi sumariamente demitida. O racista pôde ser racista até morrer, mas se uma negra com a caneta o expuser…. o Washington Post castiga. Muita “audácia” milindrar os fascistas e admiradores enlutados.

Em sua coluna no portal “Substack”, Karen Attiah escreveu o que eu pobremente traduzi abaixo: “O Washington Post Me Demitiu — Mas Minha Voz Não Será Silenciada”. (acesso ao artigo no primeiro comentário) “Meu comentário recebeu engajamento ponderado em todas as plataformas, apoio e praticamente nenhuma reação pública. Mesmo assim, o Post acusou minhas publicações comedidas no Blue Sky de serem “inaceitáveis”, de “má conduta grave” e de colocar em risco a segurança física de colegas — acusações sem provas, que reputo completamente como falsas. Eles correram para me demitir sem nem mesmo conversar. Isso não foi apenas um exagero precipitado, mas uma violação dos próprios padrões de imparcialidade e rigor jornalístico que o Post afirma defender.”

No futuro biblionistão do sul, temos que aturar esta chinelagem protonazi lamuriando a partida de um abostado, porque não há outra palavra pra descrever um cara como o kirk vigarista. Tenho uma conhecida que estudou comigo na tenra infância. Hoje é uma senhora mais chiquiliquenta que mulher de coronel na marcha da família com deus. Volta e meia dou uma espiada na página dela no fb, pra saber a temperatura dos nossos galinhas verdes. Ela tava transtornada, tipo konga a mulher gorila chorando no velório do Médici (Planeta Diário). Um homem tão bom que se vai…vai..vai…hora minha cara, que ele vá pra casa do caralho!

Bem. Era pra ter sido um texto chuchu beleza, tomate maravilha, cheio de flores astrais pro Hermeto e de abraços sinceros pros familiares do Tenório Jr. As flores seguem pra dupla. Pro padre Júlio, segue o meu apoio modesto e que ele siga lutando como sempre. Pra turminha do faz arminha, o meu mais sincero foda-se. Na corda bamba 167 especial Hermeto & Tenório Jr., tá na rede, com duas playlists homenageando a dupla. A do Hermeto, com uma seleção de sua longa carreira. De Tenório, faixas de seu único disco, e dele tocando com gente como Edu Lobo, Doris Monteiro, Wanda Sá, Leny Andrade, Edison Machado e Milton Nascimento.

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A corda agradece a chegada do Flávio Carvalho. E a imagem da capa é uma foto minha, de um cobogó cheio de notas dissonantes.

Saravá!

LINKS! LINKS! E MAIS LINKS!

hemeto e o porco na festa

luiz melodia canta ébano no abertura:

alceu valença vou danado pra catende:

walter franco, tudo muito:

um quilo de farinha pra fazer farofa:

flora purim com hermeto:

karen demitida do washington post:

o trailer do filme do trueba:

elis e hermeto:

a playlist # 140. e logo abaixo a #141

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