Ao longo de novembro eu vou postar aqui as entrevistas que fiz com os artistas e curadores para a série RAIZ: Arte Afro-Brasileira Contemporânea, que estreou ontem no Canal Curta! Hoje quem está na Corda Bamba é Priscila Rezende. Não estou exagerando quando digo que ela é uma das pessoas mais doces e corajosas que conheci nos últimos tempos. Doce porque ela ainda tem um jeito de adolescente, que reforçado pelo sotaque mineirinha, deixa tudo mais suave. Corajosa porque ela usa suas experiências pessoais em suas performances e nas suas obras em diferentes suportes. Experiências que nem sempre foram agradáveis. Outra coisa, que para mim, foi importante: Priscila me faz pensar e refletir sobre todas as armadilhas que são imputadas ao discurso de gênero e cor. É um assunto que surge sempre que se tenta mudar o establishment. O discurso virou o mordomo culpado. E o establishment, foi absolvido. Na Corda Bamba está na rede com uma playlist mineira chorando e cantando Lô Borges, que fez a minha, a sua e a nossa vida muito mais legal. Antes de tudo: quem quiser assinar este blog, é só clicar nos botões vermelhos lá de baixo. Quem quiser apoiar com qualquer valor a partir de R$ 5,00 (estes cinco ajudam pacas) a chave pix é fabpmaciel@gmail.com Saravá!
priscila rezende, pra quem não conhece:
Como artista visual desenvolve trabalhos em vídeo, instalação, fotografia e objeto, mas tem a performance como produção predominante em sua trajetória. Raça, identidade, inserção e presença do indivíduo negro e das mulheres na sociedade contemporânea são os principais norteadores e questionamentos levantados no trabalho de Priscila Rezende. Partindo de suas próprias experiências, limitações impostas, discriminação e estereótipos são expostas em ações corporais viscerais, que buscam estabelecer com o público um diálogo direto e claro. A artista propõe ao público partilhar e ser confrontado por diferentes realidades, de forma a desloca-lo de suas posições de conforto e a questionar prerrogativas cristalizadas. Priscila é graduada em Artes Plásticas pela Escola Guignard-UEMG (Belo Horizonte, Brasil) com habilitação em Fotografia e Cerâmica. Dentre sua atuação destaca-se a presença em exposições em diversas regiões do Brasil como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Amapá e Rio Grande do Sul e em países como Alemanha, Inglaterra, EUA, Espanha, Holanda e Polônia.
Pegamos a Priscila em casa e fomos para o bairro onde ela cresceu. Lá filmamos algumas cenas nas ruas, algumas caminhadas, ela carimbando notas de dinheiro com a frase EXU SEJA LOUVADO, entrando num ônibus em direção ao Parque Municipal de Belo Horizonte, bem perto do que hoje chamam de hiper-centro da cidade. Foi lá que começamos a conversa.

FM: O que esse lugar tem de especial pra você? PR: O Parque Municipal? Muita coisa, acho que a minha vida foi quase toda por aqui, né? Eu nasci em Belo Horizonte, sempre vivi aqui. Então desde criança eu já frequentava este Parque. Tinha uns burrinhos, a gente andava…quando eu tinha uns 11 anos, eu vim estudar no Colégio Imaco, que ficava aqui dentro do Parque Municipal. Fiz todo ensino médio aqui, saí com 18. Eu lembro que uma vez eu saí da escola, que era bem aqui do lado, sentei nesse banquinho e chorei.
FM: E chorou por quê? PR: Quando eu comecei a estudar aqui, na sexta série, foi uma época que eu parei de alisar o cabelo. Aí eu fiquei uns oito meses sem alisar. Meu cabelo já estava dando um black bem crespo. E aí um dia minha mãe me obrigou a alisar o cabelo de novo, num final de semana. Na segunda-feira eu voltei pra escola com o cabelo alisado. E aí um colega elogiou, disse que tinha ficado bonito. Eu achei estranho porque ele costumava ser bem estúpido, ele sempre fazia piadas e comentários bem desagradáveis comigo. Agradeci e ele perguntou: Você vendeu a sua casa para arrumar o cabelo? Na hora eu não sabia como reagir. Eu não segurei e comecei a chorar. Foram várias situações, algumas nem tão pesadas, nem tão tão explícitas. Mas no meio da escola é muito difícil para uma criança ou um adolescente negro, né?

FM: Quando você começou a reagir ou a saber responder nas situações em que te desrespeitavam? PR: Muito depois, quando eu já tinha entrado na universidade. A universidade tem importância por isso. Eu não tinha ideia do que fazer, como responder, como reagir, eu não tinha ferramentas. Quando fui para a universidade, foi aquele ambiente que me proporcionou estar mais consciente da minha negritude. Mas mesmo assim, o ambiente da universidade é um ambiente muito branco. Em 2008, quando eu entrei, ainda era muito branco, ainda não tinha sistema de cotas garantido. E na universidade, eu descobri a performance, que é essa linguagem que eu me identifico mais. Foi nesse momento que eu comecei a ter um entendimento mais consciente, mais político do que significa ser uma pessoa negra. E com a performance eu encontrei um espaço, uma ferramenta onde eu me sentia confortável para tratar essas questões.

FM: Eu já tinha percebido em nossas conversas por telefone… Você é uma pessoa doce, gentil. E as suas performances são hard-core. Como você lida com isto? PR: O meu trabalho é um trabalho incômodo, muito forte. Eu acredito que muitas pessoas consideram radical. Eu realmente me transformo quando faço as performances. E acredito que é exatamente por ser a performance um espaço de catarse, onde eu consigo colocar todos esses incômodos. É o momento que eu me libero mesmo, é o momento de cuspir, explodir, colocar pra fora.
FM: Você nunca encontrou aquele guri que te humilhava na escola? Sou neto de calabrês, gosto de vendetas…PR: Não. E não sei como reagiria hoje. A maioria das pessoas que reencontrei são pessoas negras, que hoje trabalham com arte também, algumas na dança. Mas eu sinto um pouco que a arte é em parte, isso também. É o meu lugar de vingança. Aliás, eu até tenho me aprofundado nessa pesquisa, no meu processo de mestrado, para pensar a raiva como uma força motora.

Exatamente porque os corpos negros na nossa sociedade, eles não têm essa liberdade, esse lugar de sentir essa raiva. O que eu acho muito cruel, porque são corpos que são submetidos à violência constante. Então eu acho um tanto cruel, você submeter esse corpo constantemente a um processo de violência e ainda esperar que esse corpo esteja passivo o tempo todo e que não tenha nenhuma reação. Como que a gente não vai reagir, como que a gente não vai ter raiva diante de tanta violência e de tanta brutalidade? E para corpos negros, principalmente, é muito difícil, porque já somos acusados de sermos raivosos, incivilizados, violentos, selvagens, então a gente ainda não têm esse direito de ter essa reação, porque se a gente reage de forma raivosa, é um outro problema, uma outra culpabilização. E eu encontrei na performance esse lugar, o lugar onde eu posso transmutar essa raiva e colocar essa raiva de alguma forma, muitas vezes em imagens, às vezes em palavras. É incômodo porque as coisas que eu vivo são incômodas.

FM: Fala um pouquinho da tua infância, onde você nasceu, que bairro você nasceu, sua família. PR: Eu nasci aqui em Belo Horizonte mesmo, no bairro Cachoeirinha, onde eu vivi quase minha vida toda. Nasci numa família evangélica, então desde que eu me entendo por gente, desde que eu aprendi a andar, desde que eu aprendi a falar, ler e escrever, eu já ia na igreja evangélica. A minha família era da Batista da Lagoinha e estudei lá um tempo também, na escola cristã que era da igreja. Eu venho de uma família toda negra, mas este processo religioso me afastou desse entendimento da ancestralidade.
FM: O que seus pais faziam? PR: Meu genitor ele era contador e a minha mãe era funcionário pública.
FM: Você falou seu genitor, você não chamou ele de pai, você não… PR: Não.
FM: Você rompeu com ele? Não tem como chamar ele de pai. Quando eu tinha uns 13 anos eu saí da igreja e as coisas se tornaram bem complicadas. Ele não aceitou bem e foi se tornando uma pessoa cada vez mais intragável. Inicialmente ele era agressivo verbalmente, psicologicamente, depois disso escalou para agressões físicas.
FM: Ele te batia? PR: Sim, algumas vezes. Além da violência psicológica, que hoje a gente chama de violência psicológica. Naquela época, uns 25 anos atrás não se falava disso, até porque tinha essa relação de paternidade, para muita gente, era aceitável , porque ele justificava como educação. Muitas pessoas achavam que eu era a filha rebelde, né?
FM: Seus pais são casados ainda? PR: Eles divorciaram tem uns 13 anos e ele faleceu há 2 anos e meio.
FM: Você não se reconciliou com ele? PR: Não, quando meus pais se divorciaram em 2011 eu saí de casa e nunca mais falei com ele.
FM: Quando você faz uma performance como a que você fez hoje para a gente, você arranca e engole uma página da bíblia,o que você está buscando? É um exorcismo, uma maneira de se livrar daquilo? PR: Sim, é esse processo mesmo. Eu sinto até como um processo de cura, sabe? Eu tenho essa relação muito… muito significativa com a igreja, com a religião. E pensando nessa questão identitária, da ancestralidade que foi negada, que foi apartada, eu comecei a trazer esses elementos da Bíblia, da questão religiosa, desde 2015, no trabalho Gênesis 9.25, que é um trabalho que fala sobre essa relação da igreja com o processo escravagista. É o versículo que fala sobre Cã, que Noé amaldiçoa Cã, e naquele momento, no período colonial, quando eles começaram a escravizar africanos e fazer o processo de tráfico, uma das justificativas que a igreja usou foi que os africanos eram descendentes de Cã. E aí passei a trazer esse elemento da Bíblia e da religião em vários trabalhos. Em 2017, eu passei a trazer a Bíblia para pensar a violência contra mulher. Então, nesse trabalho, que chama Gênesis 3.16, é um trabalho onde eu trago relatos de violência contra mulher. Por isso que tem o batom vermelho, um elemento muito simbólico para o corpo da mulher, a imagem da mulher. Muitas pessoas veem o batom vermelho como algo pecaminoso. Então, eu uso essa página da Bíblia, limpo esse batom e mastigo essa página. abaixo, a cena na chamada para o episódio
FM: Quando você percebeu que a escola evangélica não servia mais, que aquilo não era o mundo que você queria. PR: O processo foi gradual, mas eu já tinha saído dessa escola, já estudava no IMACO. Começou principalmente porque eu passei a gostar de músicas que não eram evangélicas e isso, em casa, já era um problema muito grande.
FM: Você passou a ouvir o que? Rap, rock, funk? PR: Música pop, rock, principalmente. Eu era fã de Hanson… (Priscila ri levemente envergonhada)
FM: Então o Hanson foi o culpado de tudo?!? PR: Foi a primeira banda que eu curti e comecei a gostar, assistia na MTV e lá passei a gostar de outras bandas, Silverchair que até hoje é uma das minhas bandas favoritas. Em casa Hanson era considerado de pecado.
FM: Se não me engano, os Hanson inclusive, são de uma igreja batista, não são? PR: Sim. São de uma igreja protestante, americana. Foi até uma justificativa, que eu usei com meu geritor na época, mas não adiantou. E eu comecei a ouvir rádios que não eram evangélicas. Só de ligar o rádio ele já ficava muito puto, gritava, reclamava. Tinha que desligar rádio. E não tinha como comprar meus cds, porque era muito nova. Obs. fui pesquisar e descobri que Os Hansons são luteranos, o pai era pastor e atualmente Zac Hanson é diácono ortodoxo.
FM: Você foi salva pelos Hansons!!! PR: Naquele momento eu nem questionava a igreja e os preceitos, né? Mas à medida que eu fui me afastando, eu fui questionando cada vez mais, né? De ter uma tatuagem, de ter um piercing…das pessoas serem homossexuais… Até o machismo que eu não entendia quando eu ia na igreja, eu não percebia que eram doutrinas misógenas…

FM: E como você começou a se aproximar das culturas afro-brasileiras? PR: Uma primeira proximidade que eu fui tendo, foi quando eu comecei a ouvir Cordel do Forgo Encantado, eu amo Cordel do Fogo, e eles tem uma percussão meio de terreiro, né? Que os dois percussonistas são da macumba… Eu cresci ouvindo que macumba era coisa do capeta, que era ruim, que não prestava. Na hora que começava o tambor… Ao lado da minha casa existiam dois terreiros, e aquele barulho incomodava o meu pai. Eu fui criada pra ver aquilo com medo. Eu passava na porta do terreiro e tinha receio de olhar, achava que alguma coisa ruim ia acontecer. Levou muitos anos, até que eu… tivesse, assim, uma abertura de um dia experimentar e ir num terreiro, era um preconceito muito forte, né? Muita enraizado.
FM: E você passou no vestibular e entrou na Guignard. PR: Eu queria ser designer gráfica, mas não conseguia passar. Eu tinha uma ideia de que fazer design gráfico era a garantia de um emprego, um trabalho em agência ou algo assim. E quando eu resolvi fazer artes plásticas eu passei e comecei o curso.


FM: Eu quero te pedir pra comentar alguns trabalhos. Vamos começar pelos Provérbios 10.01, né? PR: Quando eu era criança, a minha avó tinha uma caixa que eu chamava de caixinha de promessas, que tinham muitos versículos, em papéis, pequenininhos, alguns coloridos. Um dia na pandemia, eu lembrei dessa caixinha. Aí eu separei só versículos que falavam sobre relação de pai e filho. Aí enquanto eu vou mostrando aqueles versículos, eu vou trazendo um relato da experiência que eu tive com essa pessoa que vivia comigo, que se tornou uma pessoa violenta, agressiva.

FM: Novamente a questão da religião e da relação violenta com seu pai… PR: Esse trabalho é bastante pessoal, porque eu trago o relato verídico, da violência doméstica e da relação problemática e conflituosa com o meu genitor.
FM: Depois você fez Eclesiastes. PR: Sim. É uma série fotográfica, que fiz com um amigo fotógrafo, Felipe Messias. Fizemos o trabalho no cemitério, onde meu genitor está enterrado, então, de certa forma é uma espécie de conclusão, para mim. Ele faleceu em 2021, durante a pandemia e… eu digo esse trabalho de certa forma é um ritual de celebração, que pode ser muito estranho para muitas pessoas, né, mas… para mim, foi uma… foi uma forma de eu vivenciar o meu mundo. Eu estou com uma coroa de flores, faço uma caminhada para esse cemitério com essa coroa e trago uma frase, do Eclesiastes 3, que fala que tem o tempo de matar e o tempo de morrer, o tempo de dançar, o tempo de regozijar, tempo de guerra e tempo de alegria.
FM: E você acha que com isto conseguiu enterrar, fechar o assunto, ou ainda não?
PR: Com certeza eu não vou parar de falar sobre questões de gênero, né? Porque ainda acontece, nenhuma mulher está livre disso. O tempo todo, na rua, no ônibus, qualquer lugar que a gente vá, isso ainda acontece, né, e mesmo que eu não esteja vivenciando esta situação agora, outras mulheres estão vivenciando. Não é só sobre mim, é uma situação coletiva. (enquanto eu postava esta página, a presidente do México Claudia Sheinbaum fazia um pronunciamento sobre o assédio que sofreu durante uma caminhada)

FM: O primeiro trabalho seu que eu vi, foi “Muchas Gracias”, que achei sensacional. PR:Em 2019 eu fui participar de um festival de teatro e artes de rua. Era a primeira vez que eu viajava pra Espanha. Eu estava caminhando com outra artista de lá, num parque que tinha uma rua bem comprida e vi um grupo de adolescentes, vindo na direção contrária. De longe eu vi que eles estavam rindo, me veio um pressentimento e eu já fiquei meio atenta. Quando eles passaram do meu lado, eles começaram a fazer um barulho de macaco. Dei a volta e fui tirar satisfação, um deles cuspiu no chão, outro ficou rindo, nem se sentiram constrangidos. Só depois que outro artista espanhol, que estava por lá e deu um sermão neles, aí que alguns deles pediram desculpas. Um tempo depois me convidaram para outro festival, em Ibiza. E fiz Muchas Gracias em Cala Comte, que é uma praia muito turística, muito cheia. Eu cheguei na praia, coloquei minha cadeirinha, fui com um figurino vermelho, uma saia vermelha, com minha bolsinha, estendi a saia vermelha na areia, tomei um banho de mar rapidinho, sentei na areia e abri minha bolsa, que tinha três cachos de banana dentro dela. Aí eu fui comendo banana, fui comendo banana, comendo banana, ia comendo e jogando as cascas em cima daquela saia vermelha, para formar aquela faixa amarela, lembrando a bandeira da Espanha…eu fiquei, acho que fiquei meia hora, 40 minutos comendo banana na praia. E a praia estava cheia e todo mundo em volta sem entender o que eu estava fazendo…me entupindo de banana…teve uma moça que falou para mim, você vai passar mal. Eu olhei para ela e pensei, ah, mas a intenção é esta. E quando eu não aguentava mais, eu levantei e vomitei em cima daquela bandeira Espanha.
FM: As suas performance acabam tendo um caráter é de vingança mesmo, é Django, é total vingança. PR: Sim, cara, esse trabalho ele nasceu mesmo de uma situação de raiva, de revolta. Mas eu não senti raiva na hora de fazer, eu me diverti naquela praia linda, naquele país lindo, me diverti perturbando o descanso deles. Eu falei, eu vou transformar isso numa risada para mim. Para mim foi um deboche.
FM: Vindita é um deboche? PR: É um trabalho que começou em Macapá, com uma amiga minha, Bettina Batista, que é do coletivo Tensoativo. Primeiro nós fizemos uma performance, onde a gente trazia relatos de violência contra a mulher, e enquanto esses relatos eram narrados, a gente cozinhava alimentos em formato fálico. E aí no Vindita, a partir da performance eu fiz uma série de 60 fotografias, onde esses alimentos em formato fálico vão sendo dilacerados. Tem cenoura, mandioca, banana, pepino, linguiça e salsicha.
FM: Os famosos leguminosos de duplo sentido. PR: Sim. É um trabalho que pensa sobre essa ideia do falo como um lugar de poder, sabe? Não é sobre a destruição do falo como um membro, até porque eu vi uma discussão sobre mulheres trans, e eu acho ela bem interessante pensar, porque a ideia é exatamente destruir essa imagem de que o falo é um lugar de poder e de poder masculino. E na nossa sociedade existe essa ideia, de quem tem o falo é homem, e por ser homem tem um lugar de poder. Então esse trabalho é para desconstruir essa ideia.

FM: “Vem pra ser infeliz”. PR:Esse é um trabalho que eu não faço mais, eu o apresentei algumas vezes, aqui, em Santos, na Espanha, no Rio. E é um trabalho que parte desse personagem da Globeleza, né? Pra pensar essa objetificação e a hipersexualização do corpo da mulher negra, que é feita principalmente através dessa figura do Carnaval, da passista, e mais especificamente, da Globeleza. Porque algumas pessoas acham que talvez seja um elogio, mas não é um elogio, porque é uma imagem objetificada desse corpo, né?
FM: Uma vez o Tom Zé falou, e ele não tava se referindo à mulher exatamente, o recado era para quem criticava o axé e o rebolado, ele disse que “a bunda salva o brasileiro”. PR: Olha, é uma incógnita pra mim, a obsessão que o brasileiro tem com bunda. E essa ideia de você ver o corpo e você valorizar isso como algo extraordinário, essa coisa de sexualização…Pra mim, é um pouco você desnaturalizar. Porque é pra ser natural. Você vê o corpo e você já imagina esse corpo como algo que é puramente sexual?

FM: Mas por um outro lado, a liberação sexual, a pílula, a relação de costumes, o amor livre, tudo que uma geração lutou pra conquistar, o Reich, o combate sexual da juventude…PR: A gente precisa entender que pra corpos negros, essa ideia da liberação sexual é… complexa. Lógico, as pessoas têm o direito de viver livremente a sua sexualidade. A questão é que os corpos negros, não só os corpos das mulheres negras, mas os homens negros também, eles sempre foram vistos na nossa sociedade sem essa liberdade, porque foram corpos escravizados e esses corpos não tinham sua própria liberdade, eles eram vistos como mercadoria. As mulheres negras eram estupradas pra gerar outros corpos que seriam vendidos e escravizados novamente. Os homens negros também, eram vistos como os reprodutores, eles também não tinham liberdade… Então quando a gente pensa essa ideia da liberdade, quando a gente vai falar sobre liberdade sexual feminina, a gente está falando de que corpo? A mulher branca é que sempre esteve nesse lugar, da mulher reprimida, da mulher que não tinha essa liberdade, da mulher que era vista pra casar. Tem aquela frase do livro de Gilberto Freyre, mulher preta pra trabalhar, mulata pra fuder e branca pra casar. A mulher negra nunca teve o direito de controlar seu próprio corpo.

É muito mais profundo quando você pensa sobre o corpo negro. Porque o corpo da mulher negra sempre foi visto como um corpo livre, e visto como um corpo livre, ele é um corpo que não é respeitado. E quando a gente vai ver nas estatísticas, as mulheres negras ainda são as que mais sofrem violência doméstica, violência sexual, elas ainda são a maioria como empregadas domésticas, elas ainda estão nesse lugar de servidão. Então a gente ainda está tentando fazer a sociedade entender que nós somos seres humanos, que nós somos pessoas, que nós temos o direito ao nosso corpo, esse direito de dizer sim ou não.
FM: Gênesis 9.25 PR: Eu fiz esse trabalho em uma mostra chamada Saldo de Performance, e foi no BDMG, cultural. Do fundo da galeria, a gente consegue ver a Igreja de Lourdes, uma igreja bem conhecida, suntuosa. E essa igreja tem os horários certos das badaladas do sino. Aí sete quinze bate uma, sete meia bate duas vezes, sete quarenta e cinco bate três vezes, oito horas bate oito vezes. Então nesse trabalho eu ficava na parede da galeria, de costas pro público e o público conseguia ver a igreja lá no fundo. E aí quando o sino badalava, um outro artista, o Eduardo Mendes, que estudou comigo aqui na Guignard , quando o sino badalava, ele me açoitava com dois relhos. Na última vez que ele foi me açoitar, uma pessoa do público não aguentou e me tirou do espaço. Gênesis 925 é o versículo bíblico que fala da Maldição de Cã.
FM: Tem a pintura do Modesto…PR: Brocos. Então a ideia de que o branquecimento da população brasileira é eliminação do negro na sociedade brasileira, seria essa Redenção de Cã.

FM: Qual foi a primeira coisa que você fez quando você chegou em Londres? PR: Eu fui na Kings Cross, na plataforma 934. Porque eu gosto muito de Harry Potter!
como assistir a série raiz:
A série tem 20 episódios e a estreia foi no dia 04 de novembro, às 18h, no Canal Curta! que está disponível nos canais 56/556 (Claro/NET), 75 (Oi TV), 664 (Vivo TV) e em operadoras da Neo TV.
No streaming CurtaOn, a estreia também foi em 04/11, com 5 episódios por semana. Assista pela Claro, Amazon Prime Video ou em curtaon.com.br
na semana:

O Rio viveu mais uma chacina. NY elegeu um prefeito imigrante, muçulmano e anti-Trump. Mais um prefeito bolsonarista de Santa Catarina foi cassado por corrupção. Mais um político do pl foi preso por tráfico. Mais um bosque foi derrubado em São Paulo, mais uma empresa privatizada pelo Tarcisio fez lambança, mais uma criança apanhou do professor em uma escola militar em Goiás, mais uma vereadora pm de Porto Alegre falou besteira, eu comecei um regime, levei o Antonio e o Vicente para o primeiro protesto da vida deles, um protesto que diz respeito à minha vida, mas o protesto não deu em nada e a PL do Dr. Luisinho foi aprovada na câmara. O bode preto está no senado agora.
Em 1979 Carlos Drummond de Andrade escreveu um texto sobre a anistia que ficou famoso já no título: “Anistia: Como vens, como te imaginava”. Hoje, depois de saber que o projeto de lei do dr.Luisinho, que vai determinar os rumos do audiovisual nacional na próxima década foi aprovado, não pude deixar de lembrar do Drummond. Este ano está fazendo 40 anos que estou no ramo. Muito trabalho pequeno pra pagar as contas e alguns bons projetos realizados. Mas desde 85 eu já sabia que no metiê, farinha pouca, meu pirão primeiro sempre foi a regra. Assim como na política e no futebol, o cinema também tem suas capitanias hereditárias, suas sesmarias, coronéis e suas senzalas. É só conferir quem festejou a aprovação e voilá: o mapa tá formado. Na foto acima, eu jovem, quando ainda achava que a atividade tinha futuro, que miitares e fascistas nunca mais iriam se assanhar e que em 2025 eu estaria com o boi na sombra. Em 2025 eu não estou nem na sombra e nem na assombração. O país e a atividade não são responsáveis pelo que virei. Mas a corda bamba é exatamente a mesma de 85. E o lance é que não tenho mais 20 aninhos. Tenho 60. Embrafilmes, apacis, abedes, ancines, ancinaves, aparecidas, desaparecidas, apaes, aplubs, iapetecs, linkedins e fins e tais. A foto com o Mojica, é do Nuno Godolphin.

Quando o Brasil Era Moderno segue circulando, rolou sessão no INSTITUTO FEDERAL DE SP e na FAU MACKENZIE. Meu super obrigado a todos os alunos e professores que participaram das sessões.




Também passei os últimos dias pra lá e pra cá no metrô. São Paulo é mais São Paulo no subterrâneo. Nunca tinha descido na Estação Santana. Tem um painel lindo. Fui descobrir quem fez: uma artista e arquiteta chamada Odileia Toscano. E assim, de estação em estação, vamos levando. Na verdade é o vagão que nos leva, a gente só se espreme lá dentro. Ano que vem quem ganha até 5 milas não paga IR. É como no futebol e no cinema, um dia de cada vez. Quando eu fizer 80 talvez a lei do streaming seja mais legal e talvez os ricos passem a pagar uns 4%, porque aqui, como dizia o Geisel, tudo é lento e gradual.


LINKS! LINKS ! E MAIS LINKS!
o site da priscila:
http://priscilarezendeart.com/
e clips pra priscila.hanson: devo confessar. eu tinha um enorme preconceito com a banda. meu chapa andrew downie, o escocês rabugento me mostrou algumas músicas na época e eu tive que dar o braço a torcer. o trio é bom de pop.
silverchair
cordel do fogo encantado:
a despedida de lô borges foi como deve ser. com cantoria, lágrimas e cerveja:
e na playlist 147 # lô borges

Em 2023 eu estava em BH. Escrevi isto:
“E quando a gente vê um filme como Nada Sobre meu Pai, da Susanna Lira, ou como Toda Essa Água, do Rodrigo de Oliveira, sobre o Lô Borges, a gente continua acreditando que fazer documentário é legal pacas. Que eles ajudam a nos livrar, senão de todos, de muitos encostos. Livram quem faz e quem assiste. O filme de Susanna Lira está numa categoria à parte, onde quem realiza também é personagem. É um filme de busca, de redenção, de livramento. É um filme onde é preciso muita coragem para se expor e de muita sabedoria pra não se deixar cair nas armadilhas da narrativa de folhetim. Susanna teve coragem e sabedoria de sobra e fez um filme de arrepiar. O filme do Lô Borges é outra parada. Vi numa sessão catártica, na Praça da Liberdade e com apenas 10 minutos, quando a família Borges reunida em casa canta o Sapo, eu caí em lágrimas e estas rolaram em vários momentos ao longo da projeção. Se a intenção era emocionar, o Rodrigo e a Vania Catani conseguiram na veia.” Lô Borges. Como foi legal te ouvir ao longo da minha vida toda. Obrigado.

Deixe um comentário