na corda bamba 181 pulando as sete ondas e passando por cima da crônica de uma morte anunciada + uma playlist cheia de camadas afetivas pra virar o ano de cabeça pra baixo e de papo pro ar

a verdade é um fantasminha camarada que você pode usar do jeito que quiser xavier, chico

O ano novo era quase sempre na praia. Minha mãe garantia o pacote completo de mandingas e superstições: comer uvas, lentilhas, vestir uma cueca amarela nova e pular as 7 ondas. Meu pai garantia o champagne e liberava uns goles mesmo eu sendo di menor. Quando mudei pro Rio no meio dos anos 80 ficou mais fácil. Era só vestir roupa branca, comprar flores e ir pra Copacabana, onde naquela época, acontecia a celebração mais democrática e ecumênica do país. Toda a cidade ia. O suburbano, o favelado, o tijucano, o ipanemense. O vagabundo, o lúmpen, o trabalhador, o funcionário. O fodido, o remediado e o privilegiado também. Darcy Ribeiro, que sabia pescar no ar o que estava acontecendo, descreveu a festa no seu livro Aos Trancos e Barrancos:

Somos o único povo, de que tenho notícia, que foi capaz de inventar um culto nos últimos trinta anos, um culto igual ao dos gregos, que é o de Iemanjá  e a arrastou para uma posição que acabou com Papai Noel, aquele finlandês bestão que anda num carro puxado por veados, com um saco nas costas, jogando presente em chaminé. Quer dizer, acabou com um negócio tão alienado que os caras aqui gostam de se juntar pra comer fruta seca, numa época em que as frutas estão mais vistosas, como caju, pitomba, mangaba, as frutas mais prodigiosas da terra. Sim, o crioléu carioca foi capaz de aposentar Papai Noel e colocar no quadro uma deusa grega. É preciso ser grego, de talento e de tesão, pra inventar Iemanjá, uma deusa que fode. A mãe de Deus faz amor – é uma idéia incrível. Dos milhões que vão à praia, do dia 31 para o dia primeiro, passar o ano na praia, molhando os pés na água do mar, ninguém vai pedir pra Iemanjá acabar com um câncer ou com AIDS – vai pedir pro marido não bater tanto, vai pedir uma amante mais gostosa, um namorado dos bons. Isso é de uma beleza incrível.

Hoje a festa virou evento megablaster, patrocinado, televisionado e com cercadinho vip. Tem palco pra playboy, pra jovens gringos e goianos, pra marcianos e outras tribos. Tem palco gospel. Pro povo da macumba e do candomblé, que sacramentou a festa, restam as ondas do mar. Por enquanto.

Como estou bem longe das ondas, no glorioso bairro da Saúde em São Paulo, vou acender minhas velas e fazer minhas orações. Se no Piscinão de Ramos cada mergulho é um flash, na Saúde, bairro cheio de japoneses, cada esquina é um despacho.

Ganhei um livro do Garcia Márquez. Na adolescência, soldado seguidor dos concretistas, peguei birra porque Mano Décio Pignatari da Viola disse que não se podia levar à sério um escritor que fazia frases como “a bota do general tinha 20 quilômetros”. Então eu deixei o Márquez de lado e fui ler, sem entender chongas, o Otávio Paz. Nos últimos anos, o colombiano foi pipocando na minha vida em homeopáticos presentes natalinos: as Putas Tristes, Notícias de um Sequestro e agora, Crônica de uma Morte Anunciada. Uma história onde na primeira página ficamos sabendo quem vai morrer e algumas páginas depois conhecemos quem matou. Uma história onde a cidade inteira sabe quem vai morrer, menos a vítima. Uma trama com defesa da honra. A difamada acusa mas jamais confirma o nome do verdadeiro pecador. E sim, a vítima pode ter sido culpado. A hipótese não é descartada e este é o único suspense que fica aberto na história. Por algum motivo me lembrei da colunista do Globo e da histeria que tomou conta das redes nas últimas semanas, alimentada com altas doses de corporativismo, passapanismo, sapatenismo, emcimadomurismo e outros ismos. Se liguem! É truta! É tentativa de golpe. É a nossa velha imprensa imparcial sem opção de candidato (o CEO de sp é um desastre) tretando com o banco central independente dos juros altos. Só isto. O resto é conversa pra boi sonso dormir.

Não foi um ano fácil. Ainda respiro com aparelhos. Sigo sem saber o que vai acontecer no mês que vem. É um dia de filé e outro de osso. Um dia de capeletti com brodo da Rotisseria Pasta & Sugo, outro de macarrão Renata ao alho e óleo sem limão e sem queijo ralado. Talvez saia algum projeto, talvez eu entre em algum edital. Talvez o telefone toque, talvez alguém lembre que eu sou um cara legal e gostoso. Momentaneamente barrigudo. Enquanto isto não acontece, sigo escrevendo por aqui.

Posso olhar o lado cheio do copo: Lancei um filme que estava empacado desde 2019. Quando o Brasil era Moderno passou no festival É Tudo Verdade, ganhou menção honrosa (No Atlantidoc no Uruguai, também) e depois foi lançado em alguns cinemas do país, exibido em algumas escolas e faculdades de arquitetura até chegar no streaming e no Canal Brasil. Gracias Ocean Films e O2 distribuidora. Comecei um novo filme, Native Brazilian Music, um projeto junto com um de meus mestres, Tárik de Souza, produção da TvZero e um time da pesada no elenco e na equipe. Em novembro, Raiz: Arte Afro-Brasileira Contemporânea, série que fiz com curadoria de Rosana Paulino e produção do Leonardo Dourado-Telenews estreou no Canal Curta! Dei um curso no CineBh, fui consultor dos projetos brasileiros do edital CPLP e a galeria Pivô me chamou para acompanhar o projeto de residência de uma artista incrivel, a Anna Moreno. Gracias, Tainá Azeredo. Meus filhos estão bem, crescendo, gritando, comendo, correndo, pulando. E falando coisas espetaculares e besteiras supremas ao mesmo tempo. Assim como eu.

A Miriam ainda me aguenta. E os meus amigos também (alguns com ressalvas, outros fazendo greve, é do jogo).

E tem os apoiadores deste blog, que salvam a pátria e a conta do hortifruti. A eles, o meu muito obrigado. Mesmo.

BB partiu e não tem sociologia ou psicanálise que seja tão sublime quanto Brigitte Bardot, canção que Tom Zé lançou em 1973. Os artistas serão sempre as antenas da raça. Na playlist de hoje (vejam o link lá embaixo) tem Todos os Olhos e a moça cantando Maria Ninguém. No final dos anos 80, quando comecei a frequentar o riscado, BB era um retrato na parede da geração anterior. Minhas musas estavam nas fotonovelas e eram mais brejeiras: Nádia Lippi, Sandra Barsotti, Helena Ramos, Adele Fátima e uma Tássia Camargo adolescente. E lá longe, no planeta Vênus, estavam Nastassja Kinski e Kathleen Turner.

Uma curiosidade de almanaque: Você sabia que Danton e Marat calçavam chinelos de dedo? E que usavam a guilhotina pra cortar as tiras? Que Marx e Engels escreveram o Manifesto Comunista de chinelo, no conforto do lar? Que Lênin pegou o trem pra estação Finlândia e que Mao fez a grande marcha com sandálias nos pés? E que Fidel encarou as matas de Sierra Maestra usando um par das legítimas? Sem havaianas, não existiriam as revoluções comunistas.

A imagem da capa mostra uma manchete do Notícias Populares. Tem muito tempo que nosso jornalismo é pautado por fantasmas. E quase nunca, camaradas.

Portanto caros leitores: assinem este blog chinelo de esquerda, é só chegar nos botões vermelhos lá de baixo. Ou apoiem com qualquer valor, eu disse qualquer valor mesmo na chave pix fabpmaciel@gmail. com

Saravá!

jornalismo fantasma, sempre tivemos

LINKS! LINKS! E MAIS LINKS!

darcy ribeiro aos trancos e barrancos:

crônica de uma morte anunciada:

tem um link no facebook para o filme.

https://www.facebook.com/watch/?v=4898284910278203

o amajazz da dupla márcio pinheiro e cássia zanon

reuniu uma turma da pesada (eu estou por ali também) para fazer uma baita lista de discos para ouvir, dar de presente, etc. vale conferir e ouvir:

filmaço! tá no globoplay

Filme de cinema. fotografia absurda. História contada com imagens. Diálogos poucos e certeiros. Elenco super afiado numa Goiás que ainda ouve Nelson Ned e onde homens encomendam mortes chupando limão e proseando em fala mansa. Os parachoques para o diretor Erico Rassi.

A melhor coisa que já vi-ouvi feita com IA. Escatologia em todos os estilos musicais . Quinta série de primeira pra gente grande.

https://www.instagram.com/forgotten_vinyl_bangers

Bill Whiters Kissing my love!

na playlist # 155:

jadsa !

Começa e termina com Zé da Velha que partiu antes da virada, acompanhado de seu chapa Silvério Pontes. Depois é só no filé com inéditas, consagradas e um pouco das mais tocadas por aqui neste ano da graça de 2025: Tom Zé, Brigitte Bardot, Rogério Skylab, Bill Whiters, Jorge Benjor, Beyoncé, Tabitha Meeks, The Rolling Stones, Gong, Nação Zumbi, Gary Numan, Afrika Bambaataa, Jean Michel-Jarre, Edu K, Tito Puente, Tom Tom Club, Jadsa, Flo & Eddie, Serú Girán, Carlinhos Brown, Do Amor e Arnaldo Antunes, Bitori, Beto Guedes, Boogarins, Yo La Tengo, Patti Smith, música nova dos Buzzcocks, Imelda May, BTO, P.A Rhapsodies, Madness, Meno del Picchia, Djavan, Luiz Melodia, Som Okey 5, Ana Mazzotti, Zé Ed, Hélio Matheus, Goran Bregovic, Tião Duá, Shirley Collins & David Graham, Bonnie Raitt, Andrea Ridolfi, Big Up, Caetano Veloso, Osibisa e Raul de Souza.

e a playlist 155!

Deixe um comentário