Tudo começou com um pequeno comentário de uma amiga na rede: ela estava aflita com a cena de duas mulheres brancas que estavam sentadas na porta do McDonald’s do Leblon, com as malas empilhadas na calçada de pedras portuguesas. Minha amiga estava sensibilizada com o empobrecimento fulminante da população, já que agora não é só aquela turma preta que tá na rua da amargura. Mãe e filha, louritas de marré de si também estavam juntas na bagaceira. Na mesma conversa, um outro chapa deu o alerta: aí tem truta. Será? Tem algo muito estranho. Elas tão sem mufunfa pro pernoite mas tão podendo mandar ver no quarteirão com queijo. No dia seguinte a notícia já tava no top ten do hitpareide trendstrancetranqueiragem. Matéria no Globo, no RJTV e as gaúchas ganhando a oportunidade de serem esculachadas pelo Anderson França, que convocava os bravos moradores da baixada fluminense: mudem-se para o airbnb do tio Ronald. Sem pagar nada vocês vão ter uma vida de personagem de novela do Manoel Carlos. Sentadas na beira do caminho e longe do rio piedra pra chorar, a dupla saiu do anonimato para a infâmia em menos de 15 minutos. Pelo que se apurou, as duas possuem uma ficha corrida de 171. Porém, aaaiii porém, as retirantes de malas de rodinha poderiam ter tido um destino pior se por exemplo, tivessem permanecido na árida e miserável capital gaúcha. Lá, elas só teriam a opção de dormir num quartinho fétido de uma rede de hospedarias terceirizada e paga com o orçamento do município num contrato esquisitão assinado pelo prefeito véio véio liquida tudo até queimar. Sorte que elas migraram pro Rio de Janeiro.
Nos anos 50 o Leblon, para o escritor Antônio Maria, que nasceu no Recife, era um tédio só:
Esse Leblon de avenida macia, por onde trafegam os carros
que vão para a Barra da Tijuca, tem pecados e virtudes. Não é
agoniado como Copacabana, nem chato como Ipanema. Quem
mora lá, dá seu endereço com certo prazer, recusa carona,
com certo orgulho: “não, eu sou do Leblon”. Algumas noites
fazem barulho de motocicleta…mas, só não ter boate e
churrascaria é manter uma certa dignidade. (…).
E…
As transversais da praia, com a avenida Gal. San Martin
(homenagem ao libertador argentino, votada por um lebloniano
que gostava de tangos), formam mais de uma dezena de
encruzilhadas, onde, às sextas-feiras, encontram-se despachos
a valer. É o santo de cada um, que manda aliviar espíritos do
peso de tanto males
O Leblon mudou bastante. Pra melhor. E depois pra muito pior. O Leblon já teve o Luna Bar. Acho que ainda tem o Bracarense e o Jobi é tipo o ex-Gabeira, é o ex-Jobi, o original desapareceu na poeira dos sapatênis das ruas. Eu morei um tempo no Leblon e devo dizer que fui bem feliz. De vez em quando via o João Ubaldo caminhando na Ataulfo de Paiva. Um dia criei coragem e apesar do horário, 10 da manhã, puxei conversa e ficamos bebendo até o meio da tarde. Até o meu amigo de algumas empreitadas fracassadas (outras nem tanto), o Allan Sieber, já morou no Leblon. Agora ele mora onde não mora quase ninguém, numa vila espremida em Copacabana. É lá que ele arranja paz e sossego pra escrever livros sensacionais como As Sete Vidas do Gato Jouralbo. Pensando bem, é melhor ser devorado pelo raro tubarão cabeça de picolé ou ter que assistir o espetáculo das pulgas amestradas no circo Waca-Waca Guli-Guli do que lidar com a chinelagem das calçadas da zona sul. O Vicente gostou tanto que já leu duas vezes. Na corda bamba chegando mais uma vez atrasada, mas chegando. Saravá!

na playlist 70 pua:
Na Corda Bamba playlist# 70 começa com um ponto de exu na voz de Elsie Houston que é oro só, ouro perdido, ouro esquecido, ouro de vez em quando lembrado. Na semana passada, na segunda-feira, o dia que se dá comida e bebida pra exu, que se pede à Exu que ele abra nossos caminhos e que faça nossas mensagens chegarem onde devem chegar. Na segunda passada Verônica Stigger postou uma faixa da Elsie na rede e pronto, foi a deixa pra eu tentar fixar de vez na minha cabeça o nome, a voz, a cara e a história de Elsie Houston. Uma história fantástica, vivida intensamente na confusão dos anos 20, 30 e 40 do século XX. Uma vida entre as vanguardas do Brasil, da Europa e dos Estados Unidos. Uma vida entre o canto lírico, a pesquisa folclórica e uma recém nascida cultura de massas. Entre modernistas, surrealistas e trotskistas. E um fim de vida triste, melancólico e cercado de mistérios.

Como estas coisas nunca aparecem do nada, Elsie surgiu na minha frente poucos dias depois de eu terminar de ler Modernidade em Preto e Branco, do chapa e ninja Rafael Cardoso. Tem tempo que Rafael insiste em mostrar que o modernismo no país começou muito antes daquela famosa semana que aconteceu no teatro municipal de São Paulo. E que não se trata de desqualificar a semana. Mas de apontar as contradições do movimento e principalmente, da turma que fez o movimento.

Durante algum tempo, Benjamin Perét, um galo carijó surrealista francês, também trotskista, parceiro de Breton e de outros descolados daquele momento, circulou aqui no bananal e fez o que poucos tinham tentado fazer, ou quando fizeram, foi somente pra desmerecer e desqualificar. Perét foi um dos primeiros a perceber as religiões de matriz africana como uma forma de resistência do povo preto. Publicou artigos nos jornais e pouca gente deu bola. Também tentou escrever sobre João Cândido, o almirante negro, mas o rascunho do livro foi apreendido pela polícia do governo Vargas e tchau, sumiu nas pedras pisadas do cais. Um século depois, João Cândido continua incomodando a marinha brasileira, que se recusa a incluir o Almirante Negro no livro dos heróis da pátria. É simbólico, dirão os cínicos. Sim. O simbolismo serve pra isto. Pra deixar claro quem é herói e quem é cretino. Lutar contra castigos corporais é insubordinação. Apoiar golpes, como fez o ministro da marinha do governo anterior é só reposicionamento da marca. Mas, voltando ao Perét. Em 1928, em Paris, tendo Heitor Villa-Lobos e André Breton como testemunhas, ele se casou com Elsie Houston. E Perét e seus textos sobre o candomblé brasileiro são um dos assuntos que Rafael Cardoso aborda em seu livro. Não existe antes nem depois. É tudo circulando.


Céu já raiou e chegou com disco novo, uma novela com cara e som retrô. pero de hoje.

Native Harrow, goin’ nowhere, single novo da dupla que gosto muito, embora de vez em quando sinta um gosto de emulsão scott joan baez revisitada chique com todos os arranjos no lugar certo e sem sujeirinha nenhuma. Talvez esta seja a parada de hoje. tudo com uma certa limpeza no lance.

Cátia de França é um espanto! Seu último disco é do balaco total. O chapa Pedro Serra deu a dica deste texto, da Gabriela Sá Pessoa pro site abc news americano, sobre a volta da paraibana nas paradas. Não vá se acabrunhar com um rio de secura…quem anda na corda bamba todo dia.
Um disco pra ouvir inteiro, muitas vezes.

Maria Gadu + Xênia França + Letrux + Luedji Luna e Lineker, gente aberta e muita gente junta pra fazer música bonita.
Eu não quero mais conversa com quem não tem amor.
Roberto Carlos, nasceu para chorar, acho que eu também, a diferença é que ele ficou rico com isto. Pet Shop Boys – feel – do último disco da dupla nem lá nem cá, mas esta faixa é da pesada. Arrigo Barnabé & Tetê Espíndola,porque amar é importante, você não imagina a aflição que eu fico, eu ando um pouco oprimido, um pouco nervoso, eu só sei que gosto do seu corpo pra caramba, você não imagina a aflição que eu fico, mantenha seu olho elétrico em mim, amor emenda David Bowie em versão Ziggy Stardub na voz de Naomi Cowan e do Easy Starr All-Stars que achou uma maneira fácil de se segurar no planeta. Não passe batido. A versão é hipnótica e a voz de Naomi é deliciosa.

Edwyn Collins, é um escocês que também nasceu para chorar, porém, mais sagaz, trabalha com baixas expectativas. E se é hora de revisitar tudo, porque não atualizar a atmosfera beijo de língua e passeios pela rive gauche dos filmes franceses dos anos 60 & 70? O espertinho se chama Émile Sounin e atende pela alcunha de Forever Pavot. Acertou na mosca. Se estiver ao lado da pessoa amada, seja em Paris ou no Pari, pegue na mão ou onde mais quiser ou puder.

Mais surrealismo na corda: da trilha sonora do filme de animação Luis Buñuel no Labirinto das Tartarugas (trailer embaixo nos links) que não tenho a menor ideia se chegou por aqui. Mas se trata de uma ficção inspirada em um momento decisivo da vida do maior cineasta espanhol de todos os tempos (tem Saura, Almodovar e o Trueba, mas o Buñuel ganha por questão de pioneirismo dele e etarismo meu). A trilha é do compositor Arturo Cardelus e este nome parece nome de centurião ou decurião de Asterix, tipo Cardulos Aimeuscalus.
Tá com encosto? Charles Sheffield parece que sim. Coitado. Corda segue com The Beatles e o espetacular pandeirinho de You like me too much que tem a letra mais abusiva e torta feita por John Lennon. E depois dela começamos o momento blues, lamentos e sofrimentos com Eugene McDaniels, no encontro dos monstros Al Kooper e Shuggie Otis, com Buster Brown admitindo que as coisas dão errado e com Lou Reed tentando virar gente grande depois do fim do Velvet Underground.

Jura secreta de Abel Silva e Sueli Costa tocou muito nas rádios brasileiras no final dos anos 70. Primeiro com Simone, depois com Fagner. No Bomfim em 78, Pablo, o poeta alternativo argentino reclamava que Raimundo tinha se vendido e que Eu canto, quem viver chorará era una mierda. Eu chorava ouvindo e meu pai chorava reclamando de tanto que eu ouvia. Hoje o arranjo me parece mais bacana ainda do que em 78. Mas se é pra chorar e sofrer de verdade, Johnny Cash em One, a grande canção do U2.

Pausa na dor com Sven Libaek, com Arnaldo Antunes e nem tudo que se usa se sente, com um pouco de barulho do The Saints, com a disco groove cordas triunfantes de Dennis Coffey, com a misteriosa trilha de Klute de Michael Small, com o amor sem sofrimento do Smokey Robinson em Cruisin’, com uma palhinha do primeiro e ótimo disco do Jethro Tull, com o piano incrívelvemte brasileiro e pop de Sérgio Mendes, com Moacir Santos no Ouro Negro e foi com este disco, produzido por Zé Nogueira que eu descobri mesmo quem foi Moacir Santos e o tamanho de sua obra. E seguimos com a bossinha de Isabelle Antena, com mais um pouco do pastis richard de Forever Pavot. Se não beijou a pessoa amada antes, tem mais uma chance agora. Nesta tem até vocalise apoteótica. Se o tempo for curto, tem Edu Lobo e Tom Jobim jogando a real: um homem pode tapar os buracos do mundo se for por você. Precisa de mais tempo ainda? Miles Davis e o Freddie Freeloader + Hermeto Pascoal, Air, The Electric Flag, The Flying Burrito Brothers e Fred Neil te ajudam a resolver a parada. E depois, pro cigarrinho, Simon & Garfunkel e Roy Ayers.

Ai quem me dera ir ao céu e vir a terra, canta o Collectif Medz Bazar, estas turmas de gente de todos os cantos que se juntam para cantar juntos um pouco de todos os cantos. 25 de abril! José Afonso, sempre, milho verde porque a vila morena já tá tocando nas outras estações e porque milho verde a Gal Costa gravou também. 25 de abril pra lembrar pra chinelagem brazuca que do além mar apoia o cramulhão que a direita portuguesa deixou o país nas trevas por quase meio século. E quando foi democraticamente eleita, atolou o país na crise. Em 2013 eu estive lá e pude filmar feliz como água de chafariz um 25 de abril onde jovens e velhos, imigrantes e portugueses, mulheres, homens e tudo o mais celebravam a revolução e protestavam contra a troika desgraçada. Quando o neoliberalismo se associa com a direita conservadora o resultado é sempre o mesmo: lucros pros ricos, aumento da desigualdade e uma naba gigantesca pra maioria. Apesar de Miriam Leitão e de todos os jornarrentistas tentarem provar o contrário. Nem a Maria Joana do Sidney MIller dá conta.

A corda faz a curva com Zé Nogueira, com Gal mais uma vez, com a incrível e pouco tocada Célia Vaz, com o bis de Céu, com a tabla psicodélica de George Harrison, com a dobradinha de Cátia de França com Clementina de Jesus e encerrando os trabalhos com Elsie Houston, porque na corda, quem abre fecha.
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na corda bamba, o blog de segunda número 1 do bananal
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Saravá!
ps1: botafogo ganhou do flamengo e mesmo não sendo nada por enquanto, a foto da capa desta edição vai de Luiz Henrique, o goleador mascarado.
ps2: o grêmio perdeu pro bahia na fonte nova que agora se chama Casa de Apostas Arena Fonte Nova. (sem comentários) o mérito é todo do baêaaa. mas desta vez dou razão pro renato em ter tirado o time de campo. só a gloriosa imprensa esportiva não viu.
LINKS! LINKS E MAIS LINKS!
elsie houston no ótimo manacá rádio estúdio da pesquisadora biancamaria binazzi
modernidade em preto e branco coloca muitas vacas sagradas em um novo lugar:
uma entrevista de rafael cardoso: https://cultura.uol.com.br/radio/programas/de-volta-pra-casa/2022/01/31/981_modernidade-em-preto-e-branco-traz-visao-nao-elitista-do-modernismo-brasileiro.html
o marinheiro herói e o chefe da marinha tampinha:
sobre Perét no Brasil:
a crítica do plano crítico: buñel no labirinto das tartarugas: https://www.planocritico.com/critica-bunuel-no-labirinto-das-tartarugas/
o trailer do labirinto:
o trailer de klute:
as cantadeiras do alentejo, que filmei no 25 de abril de 2013 em lisboa.
livro imperdível, para as crianças e para os pais das crianças, as sete vidas do gato jouralbo é allan sieber em grande forma, praticamente um tubarão cabeça de picolé!

E A PLAYLIST!

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