Semana passada teve exibição do Quando o Brasil era Moderno em Porto Alegre, como parte da programação do XVI Docomomo Brasil – O Futuro do Passado: arquitetura moderna viva e urbana. Para quem não sabe, DoCoMoMo é uma organização internacional fundada na Holanda com “a missão de documentar e preservar obras e lugares construídos e projetados por arquitetos modernos ao longo do século XX“. Parece solene. É um pouco mesmo. DoCoMoMo. Lembra nome de sorvete ou de grupo secreto no Mortadelo e Salaminho. Ela é formada por 3000 arquitetos, urbanistas, paisagistas, professores, pesquisadores, artistas e historiadores que estão espalhados em 69 países, em todos os cantos do planeta. A turma, apesar de não fazer muito barulho, luta para não deixar a arquitetura virar um puxadinho das construtoras e dos maus governantes, geralmente sócios das construtoras…É uma luta de Maguila desdentado contra Rocky. Óbvio ululante que Rocky é o vilão turbinado, vitaminado e anabolizado por muito show me the money, descaso, abandono, falta de verba, planejamento, vontade política, conhecimento histórico, referência, vergonha na cara e, fazendo sim um juízo de valor, um vilão com péssimo senso estético, que enxerga o mundo como uma sucessão de aeroportos ou estradas cheias de pedágios que levam para Jurerês Internacionais, Balneários Camboriús, Dubais, Alphavilles e outras bossalidades cenográficas que fazem a alegria do pessoal da firma…
Então esta corda começa saudando os docomomomos, agradecendo especialmente os dois ninjas que estiveram na mesa comigo e que foram os responsáveis pelo encontro: Carlos Eduardo Comas e Sergio Moacir Marques. E um super obrigado também para os arquitetos que apareceram por lá, veteranos e jovens, estudantes e diletantes, velhos e novíssimos amigos (Alice,Vini, Neca, Monica, Pitta, Camila, João Paulo, Victor, Mikaella).

O trabalho do DoCoMoMo é importante porque eles atualizam as propostas e as reflexões dos arquitetos iniciais do modernismo. É sempre bom lembrar que uma das primeiras missões da arquitetura moderna, talvez a principal, foi a de projetar habitações de qualidade para a classe operária. Le Corbusier, que oferecia seus serviços para qualquer um que estivesse no poder, independente de credo ou ideologia, propôs aos industriais franceses que construíssem para seus operários, unidades de habitação padronizadas, funcionais, higiênicas e confortáveis. Pra convencer o dono da Renault, ou da Peaugeot, Citroen, pouco importa, ele usou a máxima: Arquitetura ou Revolução. Operário vivendo em casa boa não se revolta.

Obviamente, nem tudo que se pensava ou se conhecia em 1925 vale para 2025. Mas no campo ideológico, vou insistir, nunca estivemos tão próximos do passado. A diferença é que a direita tem novas múmias pra fazer cafuné, dar beijo grego e chamar de benzinho. Por estes dias, Bernardo Mello Franco, um dos poucos jornalistas que não pagam pau pra fascista no Globo, lançou seu livro Arquitetura da Destruição, da marcha para o golpe à Condenação de Jair Bolsonaro. O livro certamente é bom e vai vender. Mas eu quero falar aqui é de outro livro, publicado em 2022 e chamado Destruição da Arquitetura, Crônicas Políticas de Um País em Demolição, do arquiteto Danilo Matoso Macedo. Conheci o Danilo em 2019, quando o entrevistei em Brasília, para o Quando o Brasil era Moderno. (ele é um dos quase 30 entrevistados que vão aparecer na série). Pra minha sorte, ele estava na platéia da sessão na FAU-URGS, e mais sorte ainda, ele me deu o livro de presente.

Os textos falam do desmonte. Não do monte. Do Iphan aparelhado por guias turísticos, clubbers, promoters e influencers…Do chanceler de triste memória que discursava em tupi tal qual um galinha verde reencarnado. Da máquina de morar colonial, que o Lucio Costa tão bem descreveu, onde a máquina eram os negros, que faziam todos os serviços. Fala dos tigres, escravizados que carregavam a merda da cidade pro mar, párias sem os quais a urbe virava um merdalhal gigantesco. Danilo também discorre sobre o surgimento das favelas e dos bairros gentrificados; do quarto de empregada, que mesmo os arquitetos modernos nunca deixaram de incluir no projeto; de como é passar a pandemia num quarto de empregada e de como a habitação popular praticamente foi extinta no governo do Jair. Ainda não terminei, mas já recomendo. Até porque, seu Jair tá em cana, mas a luta continua. E a turma da demolição tá vivinha.

Nunca tinha ficado tanto tempo sem ir pra Porto Alegre, foram quase 6 anos. É diferente a sensação de ficar em hotel na cidade onde se nasceu e viveu até os 20. Foi rápido, não encontrei quase ninguém, mas deu pra perceber que a turma que não comunga com o prefeito véio velho ainda salva a capital. Vi botecos espalhados por toda a Cidade Baixa, Bonfim e por trechos do centro que antes estavam às moscas. Deu pra passar 1 dia e meio com Dona Cármina, minha mãe, que não consegue lembrar o que conversou comigo 5 minutos atrás mas responde tudo que eu pergunto sobre a cidade e a vida no passado. E no presente tem umas surpresas, como tomar um café com torrada buenaço numa vendinha despretenciosa da Barbedo. Na calçada e no sol. Minha mãe não cansou de me mostrar a marca com a altura que a água chegou.
A cidade e seus moradores ainda guardam o trauma da enchente e pelo jeito, nem a cidade e seus moradores, estão preparados para uma nova. O prefeito e seus sócios na câmara dos veradores não trabalham para a cidade e muito menos para seus habitantes. Eles operam a prefeitura como se fosse um balcão de negócios. O que podemos vender, onde podemos lucrar, o que podemos acabar, liquidar ou destruir. E, se formos constuir, como fazer sem projeto, sem lei, sem qualidade. Le Corbusier era um abjeto mas oferecia produtos de primeira aos governantes e aos milionários. Melo e seu time, só oferecem chinelagem. Chinelagem de quinta, que solta as tiras e tem cheiro ruim.
A cidade precisa ser preservada e transformada. Não demolida. O país também. Na volta de Porto Alegre para São Paulo, dois dias depois, descobri que peguei covid…os fantasmas ainda se divertem.

Na Corda Bamba, edição # 177, atrasada pro motivos médicos, está na rede, com muitas reflexões instantâneas, pensamentos torpes, frases feitas, citações frouxas e outras bacanidades. Semana que vem voltam as entrevistas com os artistas da série Raiz: Arte Afro-Brasileira Contemporânea. A imagem da capa mostra a linda festa para Santa Bárbara & Iansã em Salvador, que aconteceu ontem. Tem a espetacular playlist, navegando pelo Maranhão, Jamaica, Memphis, Pernambuco e Rio. Quem quiser assinar este blog é só descer nos botões vermelhos lá de baixo. Quem quiser apoiar com qualquer valor a partir de R$ 5,00 a chave pix é fabpmaciel@gmail.com
Saravá!
Não se esqueçam: Jair está preso. E alguns amiguinhos dele também. E isto é muito bom!

o site do Docomomo Brasil:

o livro do danilo:
quando o brasil era moderno está no canal brasil
raiz: arte afro-brasileira contemporânea está no canal curta!
raiz nas dicas da piauí


arthur bispo do rosário, o senhor do labirinto
Chegou uma nova edição do livro da Luciana Hidalgo, com uma importatante atualização, onde ela conta os bastidores de sua pesquisa e propõe novos olhares sobre a obra do bispo. No final dos anos 90 a obra de Arthur Bispo do Rosário passou a ser estudada, divulgada, comentada. E este livro ajudou muita gente a conhecer a história dele. Atenção: Luciana não é crítica de arte, é uma ótima contadora de histórias. Se liga Eustáquio Neves!

filmes que nunca vi e mesmo assim afirmo que são bons pra caralho
Portrait d’une jeune fille de la fin des années 60 à Bruxelles, da belga Chantal Akerman. Vi uma cena sublime no instagram. Achei o link no youtube e vou conferir no fim de semana.
A frase acima é uma dica. Mas também é um resumo de como eu tenho lidado com as telas e com as janelas. Vejo o que consigo ver de madrugada.
operação frança foi o que me salvou depois de tentar ver qualquer coisa na netflix e na disney.
reinaldo anistiado e indenizado
Nos gols do Reinaldo a bola não tinha pressa de entrar. A comemoração era com o braço erguido e o punho cerrado, assim como faziam os Panteras Negras. Eu sonhava com ele no time do Grêmio, que tinha Baltazar, o artilheiro de Cristo vestindo a camisa 9. Fomos campeões com o Baltazar, mas o Reinaldo era outro tipo de herói, muito além do futebol. Era um craque que não batia palminha pra milico e nem pra cartola. Que pedia abertamente, nos microfones da Globo, Band e cia, a volta da democracia. A ditadura tratou de infernizar a vida dele. Nesta semana, quase cinquenta anos depois, o Estado Brasileiro pediu perdão ao jogador. Ele vai receber uma indenização de R$ 100 mil. Não paga a bronca. Mas é merecida.
keith jarrett em casa tocando desafinado.
Ele sofreu dois AVCs. Tá tocando com uma mão só. Beleza e melancolia. Mas nada de conversa de coach. Porque coach não é gente. E Keith Jarrett é um monstro.

papodepixta é a parada mais engraçada dos últimos tempos:
Michel Saraiva salva a muquiranagem, canta ótimos sambas e tira onda com os falares da periferia carioca. Ele cruza com sua moto o Rio de Janeiro, dos subúrbios da Av.Brasil aos bairros da zona sul. Atenção: o cara tem lugar de fala, antes que alguém se aventure nesta faixa.
O Ogum não parava de coçar o olho da goiaba…
luiza possi é a nova varoa da igreja ungida de itaquera
Cleycianne Diva é uma novela que tá rolando no Instagram. Todo mundo que reza pra pneu aparece por lá. Tem pastores, pastorinhas, micheques, goiabeiras, traficantes de cristo, bandeirinhas de israel e patriotas de Aricanduva. A brincadeira que começou no twitter, pela cachola do dejota Thiago Pereira ganhou fã clube, ensaio semiótico e milhares de seguidores que se cansaram de levar a vida na boquetinagem e de ficar com a cara na poeira.

o troféu mocorongo da semana vai para:
Alexandre Borges, setorista da faria lima e escriba pago de economia no uol. Segundo o jênio “o populismo tributário de Lula é divisivo, retrógrado e não ajuda ninguém”. O povão que ganha até 5k discorda e manda o xandoca boboborges lavar um tanque de roupa na rua Barão de Limeira.
porta dos fundos é muito legal, mas “não importa” pouco importa
Não importa mesmo. Santo festival de platitudes batman!
para presentear quem você ama, ou não.
o calendário de allan sieber com todos os 365 dias de 2026. são 365 oportunidades de você fracassar, pisar na bola, fazer besteira ou simplesmente se foder por causa dos outros.

e a despedida de steve crooper
na playlist # 151


Steve Crooper, bem acompanhado por Pop Staples e Albert King abrindo a corda com Tupelo. Antes de eu saber quem ele era, eu ouvia Mr. Crooper tocando Green Onions com Booker T, no disco com a trilha de American Grafitti que seu Francisco rodava até gastar. Crooper também estava com os Mar-Kays, Sam & Dave, Otis Redding e com os Blues Brothers. Só isto. Seu Zeca Azevedo lembrou que Crooper também estava no Atlantic Crossing, o disco que fez Rod Stewart estourar de verdade pelo planeta. # Como é bom ouvir Shuggie Otis! # As camadas de Céu. Ouvindo em loop. Baita música, baita arranjo. # Por causa de uma postagem de Helder Aragão, vulgo DJ Dolores, onde ele fala da necessidade de se furar o eixo RIO-SP, cita livros escritos e editados no Maranhão sobre o reggae e o choro de lá, fala de Raimundo Soldado que eu desconhecia totalmente, eu acabei embarcando de volta pro Frechal e de lá, pra Recife e Jamaica.


Então rola uma sequência brincadeira de criança com Jamili Freitas e Cleiton Rasta (o nêgo é cabeça de gelo, acende um pra relaxar), Walter Franco, Prince Fatty, Nina Becker e Marcelo Callado, Lou Reed, Anelis Assumpção e Kiko Dinucci e logo depois um levante com o croata Asanovic Tihomir Pop, Marinho, advertindo os ouvintes para o perigo do rupinol, The Allergies, os monstros do Toots & The Maytals com Bootsy Collins, DJ Dolores, Raimundo Soldado, Manesquin, The Souljazz Orchestra, B.T.Express, Guilherme Kastrup, Richie Havens, uma faixa do disco novo de Lenine, avec Maria Gadu, outra faixa do disco novo de Lia de Itamaracá com Daúde e uma mudança de rumo com Charlotte Gainsbourg, Guess What, Beemer e Jon Lucien cantando Dindi. Ah dindi…avante com a flauta de Bobbi Humphrey, a barafunda de Chico Buarque, The Saints, o single novo do The Damned e ainda: Dado Villa-Lobos, Gil Scott-Heron, Luiz Bonfá, Rotary Connection, Lee Morgan, Luiz Carlos Vinhas, Ludivine Issambourg, The Three Deegres e Peter Hamilton Orchestra já que a semana foi de Operação França; The Durruti Column, Kiddus I, Paus, Patrice Rushen, Musical Youth, Betty Wright, Betty Carter, Piero Umiliani, Rod Stewart e Booker T & The MG’s pra fechar a bagaça!



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